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A idéia foi recebida com aprovação e a sorte destinou para secretária D. Clementina que, tirando de seu álbum um lápis e uma tira de papel, escreveu sem hesitar:

“Senhor: - Uma jovem que vos ama e que de vós escutou palavras de ternura, tem um segredo a confiar-vos. Ao raiar da aurora a encontrareis no banco de relva da gruta; sede circunspecto e vereis a quem, por meia hora ainda, quer ser apenas - Uma incógnita.”

- Bem... disse D. Quinquina, eu me encarrego de fazer-lhe receber a carta. Saiamos.

As quatro moças iam sair, quando um suspiro as suspendeu; mais alguém estava no toilette. D.

Joaninha, medrosa de que uma testemunha tivesse presenciado a cena que se acabava de passar, voltou-se para o fundo do gabinete e o susto para logo se dissipou.

- Vejam como ela dorme!... disse.

Com efeito, recostada em uma cadeira de braços, D. Carolina estava profundamente adormecida.

A Moreninha se mostrava, na verdade, encantadora no mole descuido de seu dormir: à mercê de um doce resfolegar, os desejos se agitavam entre seus seios; seu pezinho bem à mostra, suas tranças dobradas no colo, seus lábios entreabertos e como por costume amoldados àquele sorrir cheio de malícia e de encanto que já lhe conhecemos e, finalmente, suas pálpebras cerradas e coroadas por bastos e negros supercílios, a tornavam mais feiticeira que nunca.

D. Clementina não pôde resistir a tantas graças; correu para ela... dois rostos angélicos se aproximaram... quatro lábios cor-de-rosa se tocaram e este toque fez acordar D. Carolina.

Um beijo tinha despertado um anjo, se é que o anjo realmente dormia.

17

Foram Buscar Lã e Saíram

Tosquiadas

Se houve alguém que quisesse servir a D. Quinquina ou se foi ela mesma quem pôs a carta anônima no bolso da jaqueta de Augusto, é coisa que pouco interesse dá; o certo é que o estudante, indo tirar o lenço para assoar-se, achou o interessante escritinho; então correu logo para um lugar solitário, e só depois de devorar o convite sem assinatura foi que lembrou-se que ainda não se havia assoado e que o pingo estava cai não cai na ponta do nariz; enfim, ainda com o lenço acudiu a tempo, e depois entendeu que, para melhor decidir o que lhe cumpria fazer naquela conjuntura, deveria avivar o cérebro, sorvendo uma boa pitada de rapé. Portanto, lançou a mão ao segundo bolso de sua jaqueta, e eis que lhe sai com a caixa do bom Princesa um outro escritinho como o primeiro.

- Bravo! exclamou o nosso estudante; temíveis mãozinhas seriam estas, se se dessem ao exercício não de encher, mas de vazar as algibeiras da gente.

E sem mais dizer, abriu e leu o escrito.

“Senhor: - Uma moça, que nem é bonita nem namorada, mas que quer interessar-se por vós, entende dever prevenir-vos que no banco de relva da gruta não achareis ao amanhecer uma incógnita, porém sim conhecidas, que pretendem zombar de vós, porque esta mesma noite jurastes amar a cada uma delas em particular. Não procureis adivinhar quem vos escreve, porque, apesar de ser vossa amiga, serei por agora - Uma incógnita”

- Muito bonito! muito bonito!... disse Augusto beijando o bilhete; estou exatamente representando um papel de romance! mas quem sabe se ainda acharei mais cartas?...

E nisto pensando, foi correndo um por um todos os bolsos dos seus vestidos, sem esquecer o do relógio, e até passou os dedos por sua basta cabeleira, presumindo que talvez introduzissem algum no enorme canudo de cabelo que lhe escondia as orelhas.

Porém, nada mais havia; também duas cartas tão curiosas já eram de sobra em uma só noite.

O estudante pensou no conteúdo de ambas e ainda reflexionava se lhe cumpria fugir ou aceitar um certame com quatro moças, que ele adivinha quais eram, quando a primeira rosa da aurora se desabriu no horizonte. Augusto correu para a gruta encantada.

Chegando ao pé, foi de mansinho se aproximando, sentiu o rumor e ouviu que alguém dizia em tom baixo:

- Oh! se ele vier!

- Ei-lo aqui, minhas belas senhoras, exclamou o estudante, que entendeu não lhes dever nunca dar tempo a tomar a ofensiva; eis-me aqui!...

As moças, que estavam todas sentadinhas no banco de relva, como quatro pombas-rolas enfiladas no mesmo galho, ergueram-se sobressaltadas ao ver entrar inopinadamente o estudante; era isso mesmo o que ele queria, pois continuou:

- As senhoras vêem que acudi de pronto ao honroso convite e que me entusiasmo vendo quatro auroras, em lugar de uma só! Belo amanhecer é este, sem dúvida... mas, exposto ao fogo abrasador de oito olhos brilhantes... eu me sinto arder... juro que tenho sede... Eis ali uma fonte... Mas, meu Deus, é a fonte encantada que descobre os segredos de quem está conosco!... Bem! bem! melhor... uma gota desta linfa de fadas!...

- O que é que ele está dizendo, mana? exclamou D. Quinquina, apontando para Augusto, que tinha entre os lábios o copo de prata.

- É preciso decidir-nos a começar, disse D. Gabriela.

- Principie você, disse D. Joaninha.

- Eu não, comece você...

- Eu não, que sou a mais moça...

Então o estudante, que tinha acabado de esgotar o seu copo d’água, voltou-se para elas, e dando a seu rosto uma expressão animada e às suas palavras estudado acento:

- Começo eu, minhas senhoras, disse, e começo por dizer-vos que aquela fonte é realmente encantada; sim, eu tenho, à mercê de sua água, adivinhado belos segredos: escutai vós... Perdoai e consenti que vos trate assim, enquanto vos falar inspirado por um poder sobrenatural. Vós viestes aqui para maltratar-me e zombar de mim, por haver amado a todas vós numa só noite; que ingratidão!... eu vos poderia perguntar como o poeta:

Assim se paga a um coração amante?!

- Mas, desgraçadamente, a fada que preside àquela fonte, quer mais alguma coisa ainda e me dá uma cruel missão! ordena-me que eu diga a cada uma de vós, em particular, algum segredo do fundo de vossos corações, para melhor provar os seus encantamentos. Pois bem, é preciso obedecer; qual de vós quer ser a primeira?... Eu não ouso falar alto, porque pelo jardim talvez estejam passeando alguns profanos. Qual de vós quer ser a primeira?...

Nenhuma se moveu.

- Será preciso que eu escolha? continuou o tagarela. Escolherei... Iluminai-me, boa fada! Quem será?... Será... a... Sra. D. Gabriela.

- Eu?! respondeu a menina, recuando.

- A senhora mesma, disse Augusto, trazendo-a pela mão para junto da fonte; vinde, senhora, para bem perto do lugar encantado; agora silêncio... ouvi.

- Ele está mangando conosco, murmurou D. Clementina.

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