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- Já lhe tenho repetido três vezes que não é assim que se pega na agulha.

- Ora, minha senhora...

- Ora, minha senhora!... ora, minha senhora! eu não sou sua senhora, sou sua mestra.

- Minha bela mestra!

- Digo-lhe que já me vai faltando a paciência. O senhor não atenta no que faz!... já tem quatro vezes rebentado a linha e é a décima segunda que lhe cai o dedal.

- Não se exaspere, minha bela mestra, eu o vou apanhar e não cairá mais nunca.

Augusto curvou-se e ficou quase de joelhos diante de D. Carolina; ora, o dedal estava bem junto dos pés dela e o aprendiz, ao apanhá-lo, tocou, ninguém sabe se de propósito, com seus dedos em um daqueles delicados pezinhos; esse contato fez mal; a menina estremeceu toda. Augusto olhou-a admirado, os olhos de ambos se encontram e os olhos de ambos tinham fogo. Um momento se passou; o sossego se restabeleceu.

- Já não posso mais! exclamou a bela mestra; rebentou o senhor pela quinta vez a linha; não dá um ponto que preste; não há outro remédio...

E, dizendo isto, lançou uma das mãos à orelha do aprendiz, que de súbito deu um grito e acudiu com as suas. Ora, essas mãos se encontraram, debateram-se, e nesse ensejo os dedos da bela mestra foram docemente apertados pela mão do aprendiz. Novo fogo de olhares! que aproveitável lição!...

- Menina, tenha modos!... o Sr. Augusto não é criança, exclamou a Sra. D. Ana, que a dez passos cosia, e que só podia ver a exterioridade do que se passava entre a bela mestra e o aprendiz.

A lição se prolongou até ao meio-dia e mais de mil vezes se repetiu a mesma cena do encontro das mãos; D. Carolina não conseguiu puxar uma só vez a orelha do estudante e o aprendiz não perdeu uma só ocasião de apertar os dedos da mestra. Augusto se comprometeu a apresentar na primeira lição um nome marcado pela sua mão. Tudo foi às mil maravilhas.

O resto do dia se passou como se havia passado o seu princípio para Augusto e D. Carolina.

Eles não se chamaram mais por seus nomes próprios; o amor lhes tinha ensinado outros; eram:

“meu aprendiz”, e “minha bela mestra”.

A madrugada seguinte foi triste, porque presidiu às despedidas do aprendiz e sua bela mestra, mas ainda foi bem doce, porque ambos meigamente se disseram:

- Até domingo!

21

Segundo Domingo: Brincando

com Bonecas (1)

Raiou o belo dia, que seguiu a sete outros, passados entre sonhos, saudades de esperanças.

Augusto está viajando: já não é mais aquele mancebo cheio de dúvidas e temores da semana passada, é um amante que acredita ser amado e que vai, radiante de esperanças, levar à sua bela mestra a lição de marca que lhe foi passada. O prognóstico de D. Carolina, na gruta encantada, se vai verificando: Augusto está completamente esquecido da aposta que fez e do camafeu que outrora deu à sua mulher. Um bonito rosto moreninho fez olvidar todos esses episódios da vida do estudante. D. Carolina triunfa e seu

orgulho de despotazinha de quantos corações conhece deveria estar altaneiro, se ela não amasse também.

Como da primeira vez, Augusto vê o dia amanhecer-lhe no mar; e, como na passada viagem, avista sobre o rochedo o objeto branco, que vai crescendo mais e mais, à medida que seu batelão se aproxima, até que distintamente conhece nele a elegante figura de uma mulher, bela por força; mas desta vez, não como da outra, essa figura se demora sobre o rochedo, não desaparece como um sonho, é uma bonita realidade, é D. Carolina que só desce dele para ir receber o feliz estudante que acaba de desembarcar.

• Minha bela mestra!...

- Meu aprendiz!... já sei que traz nome bem marcado.

- Oh! sempre precisarei que me queira puxar as orelhas.

- Não, eu não farei tal na lição de hoje.

- E se eu merecer?

- Talvez.

- Então errarei toda a lição.

Eles se sorriram, mas Filipe acaba de chegar e todos três vão pela avenida se dirigindo a casa.

Ter a ventura de receber o braço de uma moça bonita e a quem se ama, apreciar sobre si o doce contato de uma bem torneada mão, que tantas noites se tem sonhado beijar; roçar às vezes com o cotovelo um lugar sagrado, voluptuoso e palpitante; sentir sob sua face perfumado bafo que se esvaiu dentre os lábios virginais e nacarados, cujo sorrir se considera um favor do céu; o apanhar o leque que escapa da mão que estremeceu, tudo isso... mas para que divagações? que mancebo há aí, de dezesseis anos por diante, que não tenha experimentado esses doces enleios, tão leves para a reflexão e tão graves e apreciáveis para a imaginação de quem ama? Pois bem, Augusto os está gozando neste momento; mas, porque só a ele é isto de grande entidade, e convém dizer apenas o que absolutamente se faz preciso, pode-se, sem inconveniente, abreviar toda a história de duas horas, dizendo-se: almoçaram e chegou a hora da lição.

- Vamos, disse D. Carolina a Augusto, que estava já sentado a seus pés e em sua banquinha; vamos, meu aprendiz, o senhor comprometeu-se a trazer-me um nome marcado pela sua mão; que nome marcou?

- Entendi que devia ser o nome da minha bela mestra.

Ela não esperava outra resposta.

- Vamos, pois, ver a sua obra, continuou, e creia que estou pouco disposta a perdoar-lhe, como fiz na lição passada. Venha a marca.

Augusto apresentou então um finíssimo lenço aos olhos da sua bela mestra, que teve de ler em cada ângulo dele o nome Carolina e no centro o dístico Minha bela mestra. Tudo estava primorosamente trabalhado; preciso é confessar: o aprendiz havia marcado melhor do que nunca o tivera feito D. Carolina.

Augusto esperava com ansiedade ver brilhar nos olhos de sua bonita querida o prazer da gratidão; fruía já de antemão o terno agradecimento com que contava, quando viu, com espanto, que sua bela mestra ia gradualmente corando e por fim se fez vermelha de cólera e de despeito.

- Nunca a mão grosseira de um homem poderia marcar assim!... disse ela a custo.

- Mas, minha bela mestra...

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