Sebastião tossiu, queixou-se de andar também adoentado, e chegando a cadeira para ao pé do primo Vicente, pondo-lhe a mão sobre o joelho:
—
Ó Vicente, tu, se eu te pedisse um polícia pra me acompanhar cá para uma coisa, só para meter medo, só para fazer que uma pessoa restitua o que tirou, tu davas ordem, bem?
—
Ordem para quê? — perguntou lentamente o Vicente, com a cabeça baixa, os olhinhos avermelhados em Sebastião.
—
Ordem para me acompanhar, para se mostrar. É só para se mostrar. É
um caso esquisito... Para meter medo... Tu sabes que eu não sou capaz.. E
para que uma pessoa restitua o que tirou. Sem fazer escândalo...
—
Roupas? Dinheiro?
E o comissário cofiava refletidamente o bigode com os seus longos dedos magros, muito queimados de cigarro.
Sebastião hesitou:
—
Sim. Roupas, coisas.. E para não haver escândalo. . Tu percebes...
O Vicente murmurou com um ar profundo, fixando-o:
—
Um policia para se mostrar. .
Escarrou ruidosamente. E franzindo a testa:
—
Não é coisa de política?
—
Não! — fez Sebastião.
O comissário embrulhou mais os pés no cobertor, rolou em redor os olhos, ferozmente:
—
Nem toca com gente graúda?
—
Qual!
—
Um policia para se mostrar.. — ruminava o Vicente. — Tu és um homem de bem. . Dá cá aquela pasta de cima da cómoda.
Tirou um papel pautado, examinou, acavalando a luneta no nariz, meditou com a mão em garra sobre a testa:
—
O Mendes... Serve-te o Mendes?
Sebastião, que não conhecia o Mendes, acudiu logo:
—
Sim, quem quiseres. É só para se mostrar..
—
O Mendes. E um homenzarrão. É sério, foi da Guarda.
Fez-lhe aproximar o tinteiro; escreveu devagar a ordem; releu-a duas vezes; cortou os tt, secou-a à chaminé do candeeiro; e dobrando-a com solenidade:
—