E Jorge, revoltado:
—
E passam por aqui senhoras! Veem, leem! Isto só em Portugal!. .
O Conselheiro disse:
—
A autoridade devia intervir, decerto. . — Acrescentou com bonomia: —
São rapazes, com o charuto. Apreciam muito esta distração... — E sorrindo, recordando-se: — Uma ocasião mesmo, o Conde de Vila Rica, que tem graça, muita graça, insistiu comigo, dando-me o charuto, para que eu fizesse um desenho... — E mais baixo: — Eu dei-lhe uma lição severa. Tomei o charuto...
—
E fumou-o?
—
Escrevi.
—
Uma obscenidade?
O Conselheiro, recuando, exclamou com severidade:
—
Jorge, conhece o meu caráter! Pois supõe. .? — E acalmando-se: —
Não, tomei o charuto e escrevi com mão firme: HONRA AO MÉRITO!
Mas a campainha retiniu, entraram no camarote. Luísa incomodada não quis sentar-se à frente. E o Conselheiro, grave, tomou o seu lugar — em frente de D. Felicidade. Foi para a nutrida senhora um momento feliz, de um gozo requintado. Estavam ambos, ali, como noivos! O seu peito abundante arfava; via-se a saírem; mais tarde de braço dado, entrarem num cupê estreito, pararem à porta da casa conjugal, pisarem o tapete da alcova. Tinha um suor à raiz dos cabelos — e vendo o Conselheiro sorrir-lhe, amável, com a sua calva toda luzidia ao gás, sentia um reconhecimento apaixonado pela mulher de virtude que àquela hora, no fundo da Galiza, estava cravando agulhas num coração de cera!..
Mas de repente o Conselheiro bateu na testa, arremessou-se sobre o chapéu, saiu impetuosamente. Olharam-se inquietos. D. Felicidade empalideceu; seria alguma dor? Santo Deus! Já murmurava baixo uma reza.
Mas viram-no entrar logo, e dizer com uma voz triunfante:
—
De azul-escuro!
Abriram grandes olhos, sem compreender.
—
Sua Majestade a rainha! Tinha prometido verificá-lo, cumpri-o!
E sentou-se com solenidade, dizendo a Luísa:
—
Lamento que se esconda nesse recanto, D. Luísa! Na sua idade! Na flor dos anos! Quando tudo na vida é cor-de-rosa!
Ela sorriu. Estava agora muito sobressaltada. A cada momento olhava o relógio. Sentia-se doente; os pés arrefeciam-lhe, uma vaga febre fazia-lhe a cabeça pesada. O seu pensamento estava na casa, em Juliana, em Sebastião, cortado de palpites, de esperanças, de terrores. . E via, sem compreender, a multidão de soldados vestidos de cores bipartidas, com armas obsoletas, que marchavam, paravam numa cadência afetada, erguendo uma poeira subtil no tablado mal regado. Um coro vigoroso ressoava: era a marcha arrogante e festiva dos reires alemães celebrando a alegria das excursões vitoriosas pelos países do vinho, e a posse das bolsas mercenárias cheias de sonoros risdales! E
os seus olhos seguiam um barbaças corpulento, que, por cima dos gorros quadrados dos besteiros, balançava monotonamente um largo quadrado de paninho — a bandeira do Santo Império, negra, vermelha e de ouro!
Mas então ergueu-se um rumor no fundo da plateia. Vozes duras altercavam.
"Ordem! ordem!" dizia-se. Localistas na superior puseram-se rapidamente em bicos de pés na palhinha das cadeiras. Quatro policias e dois municipais apareceram à porta do fundo; e depois de uma troça, de risadas, foram levando um moço lívido, que cambaleava — e o lado esquerdo do seu jaquetão de pelúcia estava todo vomitado!
Mas fez-se logo silêncio: o pano de fundo oscilava um pouco acotovelado pela saída festiva dos reitres e dos populares; e no palco deserto, tendo à direita um pórtico oscilante de catedral e à esquerda a portinha triste de uma casa burguesa, Valentim, com uma longa pêra, à beira da rampa, beijava sofregamente uma medalha; mas Luísa não o escutava. Pensava com o coração confrangido: que fará a esta hora Sebastião?
Sebastião, às nove horas, por um nordeste agudo que torcia as luzes do gás dentro dos candeeiros, dirigia-se devagar à casa de um comissário de policia, seu primo afastado, o Vicente Azurara. Uma velha servente, engelhada como uma maçã raineta, levou-o ao quarto escolástico, onde o senhor comissário estava a cozer uma grande constipação; encontrou-o com um gabão pelos ombros, os pés embrulhados num cobertor, tomando grogues quentes, e lendo o Homem dos três calções. Apenas Sebastião entrou, tirou do nariz adunco as grandes lunetas, e erguendo para ele os olhos pequeninos, chorosos de defluxo, exclamou:
—
Estou com um diabo de uma constipação há três dias, que me não quer largar. . — E rosnou algumas pragas, passando a mão magra e nodosa sobre uma face trigueira, de linhas duras, a que um espesso bigode grisalho dava ferocidade.
Sebastião lamentou-o muito; não admirava, com a estação que ia!. .
Aconselhou-lhe água sulfúrica com leite fervido.
—
Eu, se isto não despega — disse o comissário rancorosamente —, atiro-lhe amanhã para dentro com meia garrafa de genebra; e se não for por bem, há de ir à força... E que há de novo?