- Então, seria isso alguma asneira?
- Não, por certo; maninha pode mesmo dar-te algumas lições.
- Nada, respondeu a menina; sou muito raivosa e à primeira linha que ele rebentasse, eu o
chamaria a bolos.
- Se é uma condição que oferece, eu a aceito, minha senhora; ensine-me com palmatória.
- Veja o que diz!...
- Repito-o.
- Pois bem; palmatória não, porque, enfim, podia doer-lhe muito; mas de cada vez que eu julgar necessário, dar-lhe-ei um puxão de orelha.
- Menina! disse a Sra. D. Ana.
- Mas, minha avó, eu não estou pedindo a ele que venha aprender comigo.
- Porém podes ensinar-lhe com bons modos.
- É o que pretendo fazer.
- Ele há de aproveitar muito.
- Terá os meus elogios.
- E se por acaso errar alguma vez?
- Levará um puxão de orelha.
- Se me é permitido, disse Augusto, aceito as condições.
- Pois bem, respondeu D. Carolina, está o senhor matriculado na minha aula de marcar e daqui a uma hora principiaremos a nossa lição.
- E então ele não passeia comigo? perguntou Filipe.
- Depois da lição, respondeu a mestra, fazendo-se de grave; antes, não lhe dou licença.
Levantaram-se da mesa; algum tempo foi destinado a descansar; Filipe desafiou Augusto para uma partida de gamão e incontinenti foram travar combate na varanda; Filipe derrotou seu competidor em três jogos consecutivos; estavam no começo do quarto, quando tocou uma campainha; os dois estudantes não deram atenção a isso e continuaram: o jogo tornou-se duvidoso; qualquer dos dois podia dar ou levar gamão; Augusto acabava de lançar uns dois e ás, que desconcertaram seu antagonista, quando D. Carolina apareceu e, dirigindo-se ao seu discípulo, disse com engraçada seriedade:
- O senhor não ouviu tocar a campainha?
- Então isso era comigo?
- Sim, senhor, são horas de lição, e espero que para outra vez não me seja preciso chamá-lo.
- Aceito a admoestação, minha bela mestra, mas rogo-lhe o obséquio de consentir que termine esta partida.
- Não, senhor.
- É uma mão de honra!
- Pior está essa!
- Ora, é boa! acudiu Filipe; então quer você...
- Não tenho a dizer-lhes o que quero, nem o que não quero; são horas de lição, vamos.
- E é preciso obedecer, concluiu Augusto, levantando-se.
Daí a pouco estava tudo em via de regra; Augusto, sentado em uma banquinha aos pés de sua bela mestra, escutava, com os olhos fitos no rosto dela, as explicações necessárias. Às vezes D. Carolina não podia conservar imperturbável sua afetada gravidade e então os sorrisos da bela mestra e do aprendiz graciosamente se trocavam; ela se mostrava mais pacífica e ele menos atento do que haviam prometido, porque era já pela quarta vez que a bela mestra recomeçava suas explicações e o aprendiz cada vez a entendia menos.
Filipe apareceu na sala, pronto para ir caçar, e convidou o seu amigo para com ele partilhar do mesmo prazer. Todo o mundo adivinha que Augusto disse que não; ele poderia responder que não queria caçar, porque estava pescando, mas contentou-se com dizer:
- Minha bela mestra não dá licença.
- Tome cuidado no modo de pegar nessa agulha!... gritou ela com mau modo e sem se importar
com Filipe.
- Está bem, disse este, saindo; eu não os posso aturar.
E depois acrescentou, sorrindo-se:
- Fique-se aí, Sr. Hércules, aos pés da sua bela Onfale!
- Ouviu o que ele disse? perguntou Augusto.