- Eu quero saber quem foi! exclamou com força.
- Eu não entendo...
- Foi uma mulher! isso não carece que me diga. Uma moça que lhe marcou este lenço para o senhor vir zombar e rir-se de mim, de minha credulidade, de tudo...
- Minha senhora...
- Vejam!... já nem me quer chamar sua mestra!... agora só sabe dizer “minha senhora!”...
A interessante jovem acabava de ser inesperadamente assaltada de um acesso de ciúme. Augusto
estava espantado e a Sra. D. Ana, levantando os olhos ao escutar a última exclamação de sua neta, viu-a correndo para ela.
- Que é isto menina? perguntou.
- Veja, minha querida avó: aqui está a marca que ele me traz! Eu queria um nome muito mal feito, uma barafunda que se não entendesse, o pano suado e feio, tudo mau, tudo péssimo; eu me riria com ele. Sabe, porém, o que fez? foi para a Corte tomar outra mestra, que não há de ter a minha paciência, nem o meu prazer, mas que marca melhor que eu, que é mais bonita!... veja, minha querida avó; ele tem outra mestra, outra bela mestra!...
E dizendo isto, ocultou o rosto no seio da extremosa senhora e começou a soluçar.
- Que loucura é essa, menina? que tem que ele tomasse outra mestra? pois por isso choras assim?
- Mas nem me quer dizer o nome dela!... Que me importa que seja moça ou bonita? nada tenho com isso, porém, quero saber-lhe o nome, só o nome!...
Então ela ergueu-se e, com os olhos ainda molhados, com a voz entrecortada, mas com toda a beleza da dor e delírio do ciúme, voltou-se para Augusto e perguntou:
- Como se chama ela?
- Juro que não sei.
- Não sabe?...
- Quis trazer um lenço bem marcado para ostentar meus progressos e motivar alguns gracejos e mandei-o encomendar a uma senhora muito idosa, que vive destes trabalhos.
- Muito idosa?...
- É verdade.
- Não lhe deram este lenço?
- Paguei-o.
- Pois eu o rasgo...
- Pode o fazer.
- Ei-lo em tiras.
- Que fazes, Carolina? exclamou a Sra. D. Ana, querendo, já tarde, impedir que sua neta rasgasse o lenço.
- Fez o que cumpria, minha senhora, acudiu Augusto: exterminou o mau gênio que acabava de fazê-la chorar.
- E que importa que eu rasgasse um lenço? minha querida avó, peço-lhe licença para dar um dos meus ao Sr. Augusto.
A Sra. D. Ana, que começava a desconfiar da natureza dos sentimentos da mestra e do aprendiz, julgou a propósito não dar resposta alguma, mas nem isso desnorteou a viva mocinha que, tirando de sua cesta de costura um lenço recentemente por ela marcado, o ofereceu a Augusto, dizendo:
- Eu não admito uma só desculpa, não desejo ver a menor hesitação; quero que aceite este lenço.
Augusto olhou para a Sra. D. Ana, como para ler-lhe n’alma o que ela pensava daquilo.
- Pois rejeita um presente de minha neta? perguntou a amante avó.
A resposta de Augusto foi um beijo na prenda de amor.
- Agora, que já estamos bem, disse ele, vamos à minha lição.
- Não, não, respondeu a bela mestra, basta de marcar; não me saí bem do magistério, chorei diante do meu aprendiz, não falemos mais nisto.
- Então fui julgado incapaz de adiantamento?
- Ao contrário, pelo trabalho que me trouxe, vi que o senhor estava adiantado demais; porém, sou eu quem tem outros cuidados.
- Já tem cuidados?...
- Quem é que deles não carece?... O pai de família tem os filhos, o senhor os seus livros e eu, que sou criança, tenho as minhas bonecas. Quer vê-las?
- Com o maior prazer.
Um momento depois a sala estava invadida por uma enorme quantidade de bonecas, cada uma das quais tinha seus parentes, seus vestidos, jóias e um número extraordinário de bugiarias, como qualquer moça da moda as tem no seu toucador.