JOÃO GRILO
Quando você teve o bicho? E foi você quem pariu o cavalo, Chico?
CHICÓ
Eu não. Mas do jeito que as coisas vão, não me admiro mais de nada. No mês passado uma mulher teve um, na serra do Araripe, para os lados do Ceará.
JOÃO GRILO
Isso é coisa de seca. Acaba nisso, essa fome: ninguém pode ter menino e haja cavalo no mundo. A comida é mais barata e é
coisa que se pode vender. Mas seu cavalo, como foi?
CHICÓ
Foi uma velha que me vendeu barato, porque ia se mudar, mas recomendou todo cuidado, porque o cavalo era bento. E só podia ser mesmo, porque cavalo bom como aquele eu nunca tinha visto. Uma vez corremos atrás de uma garrota, das seis da manhã até as seis da tarde, sem parar nem um momento, eu a cavalo, ele a pé. Fui derrubar a novilha já de noitinha, mas quando acabei o serviço e enchocalhei ares, olhei ao redor, e não conhecia o lugar onde estávamos. Tomei uma vereda que havia assim e aí tangendo o boi...
JOÃO GRILO
O boi? Não era uma garrota?
CHICÓ
Uma garrota e um boi.
JOÃO GRILO
E você corria atrás do dois de uma vez?
CHICÓ, irritado
Corria, é proibido?
JOÃO GRILO
Não, mas eu me admiro é eles correrem tanto tempo juntos, sem me apertarem. Como foi isso?
CHICÓ
Não sei, só sei que foi assim. Saí tangendo os bois e de repente avistei uma cidade. É uma história que eu não goste nem de contar.
JOÃO GRILO
Conte, conte sempre, você está em casa.
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CHICÓ
Você sabe que eu comecei a correr da ribeira do Taperoá, na Paraíba. Pois bem, na entrada da rua perguntei a um homem onde estava e ele me disse que era Própria, de Sergipe.
JOÃO GRILO
Sergipe, Chicó?
CHICÓ
Sergipe, João. Eu tinha corrido até lá no meu cavalo. Só sendo bento mesmo.
JOÃO GRILO
Mas Chicó, e o rio São Francisco?
CHICÓ
Lá vem você com sua mania de pergunta, João.
JOÃO GRILO
Claro, tenho que saber. Como foi que você passou?
CHICÓ
Não sei, só sei que foi assim. Só podia estar seco nesse tempo, porque não me lembro quando passei...E nesse tempo todo o cavalo ali comigo, sem reclamar nada!
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JOÃO GRILO