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- Tão tarde! exclamou a menina... minha mãe ralhará comigo!

E, dizendo isto, correu, esquecendo-se até de despedir-se de mim. Esse fatal descuido acabava de entristecer-me, quando ela, já de longe, voltou-se para onde eu estava e, mostrando-me o breve branco, gritou:

- Eu o guardarei!

Pela minha parte entendi dever dar-lhe igual resposta, e, pois, mostrei-lhe o meu breve verde e gritei-lhe também:

• Eu o guardarei!...

Aqui parou Augusto para respirar, tão cansado estava com a longa narração; porém, ergueu-se logo, ouvindo ruído à entrada da gruta.

- Alguém nos escuta! disse ele.

- Foi talvez uma ilusão! respondeu a digna hóspeda.

- Não, minha senhora; eu ouvi distintamente a bulha que faz uma pessoa que corre, tornou Augusto, dirigindo-se à entrada da gruta e observando em derredor dela.

- Então?... perguntou a Sra. D. Ana.

- Enganei-me, na verdade.

- Mas vê alguma pessoa?...

- Apenas lá vejo sua bela neta, a Sra. D. Carolina, pensativa e recostada à efígie da Esperança.

8

Augusto Prosseguindo

A avó de Filipe quis tomar, por sua vez, a palavra; porém, o estudante lhe fez ver que ainda muito faltava para o fim de suas histórias, e voltando de novo ao seu lugar, continuou:

- O acontecimento que acabo de relatar, minha senhora, produziu vivíssima impressão no meu espírito; ajudado por minha memória de menino de treze anos, apenas entrei em casa escrevi, palavra por palavra, quanto me havia acontecido. Isto me tirou o trabalho de mentir, porque, adormecendo sobre o papel que acabava de escrever, meu pai o leu à sua vontade e soube o destino do camafeu, sem precisar que eu lho dissesse. Ele ainda estava junto de mim quando despertei, exclamando: - o meu breve!... o velho!... minha mulher!...

- Anda, doidinho, disse-me meu pai com bondade; eu te perdôo tuas novas loucuras, em louvor da ação que praticaste, socorrendo um velho enfermo; agora, guarda, eu to peço, e mesmo to mando; guarda melhor esse breve do que guardaste o camafeu.

E isto dizendo, deixou-me.

Não se falou mais nesse acontecimento; soube que o velho morrera no dia seguinte e que no momento da agonia abençoara de novo a minha camarada e a mim.

Meu pai fez todas as despesas do enterro do velho e socorreu sua desgraçada família.

Eu nunca mais vi, nem soube notícia alguma de minha interessante camarada, mas nem por isso a esqueci, minha senhora... porque, ou seja que meu coração a tivesse amado deveras, ou que esse breve tivesse em si alguma coisa de encantador, o certo é que eu ainda hoje me lembro com saudade dessa criança tão travessa, porém tão bela. Sem saber seu nome, pois nem lho perguntei, nem ela mo disse, quando quero falar a seu respeito, digo: - minha mulher! Riem-se? não me importa: eu não posso dizer de outro modo.

Sempre com sua imagem na minh’alma, com seu engraçado sorriso diante de meus olhos, com suas sonoras palavras soando a meus ouvidos, passei cinco anos pensando nela de dia, e com ela sonhando de noite; era uma loucura, mas que havia eu de fazer?...Cheguei assim aos meus dezoito anos.

Eu já era, pois, mancebo. Meus pais nada poupavam para me educar convenientemente: aprendia quanto me vinha à cabeça: diziam que minha voz era sonora, e por tal convidavam-me para cantar em elegantes sociedades; julgavam que eu dançava com graça e lá ia eu para os bailes; finalmente, como cheguei a fazer algumas quadras, pediam-me para recitar sonetos em dias de anos, e assim introduziram-me em mil reuniões, onde as belezas formigavam e os amores eram dardejados por brilhantes olhos de todas as cores. Além disto freqüentava as casas de meus companheiros de estudos e os ouvia contar proezas de paixões, triunfos e derrotas amorosas. Meu amor-próprio se despertou; tive vontade de amar e ser amado.

Julguei esta minha determinação ainda mais justa, pois tendo ido passear certas férias na roça, e lá falando mil vezes no meu breve e em minha mulher, ouvi a minha mãe dizer uma vez, em que me julgava longe:

- Temo que esse breve tire o juízo àquele menino: talvez que nos seja preciso casá-lo cedo.

Portanto, para não ouvir somente, mas também para contar alguma vitória de amor, para não endoidecer por causa do breve e, finalmente, para não ser necessário à minha mãe casar-me cedo, determinei-me a amar.

- Esqueceu-se, por conseqüência, de sua mulher e do seu breve?! perguntou a Sra. D. Ana, interrompendo Augusto.

- Ao contrário, minha senhora, tornou este; foi essa minha resolução que me tornou mais firme e mais amante de minha mulher.

- Não sei, continuou Augusto, que teve o amor comigo, para entender que todas as moças deviam rir-se de mim e zombar de meus afetos! Pensa que brinco, minha senhora?... pois foi isso mesmo o que me sucedeu no decurso de minhas paixões. Eu resumo algumas.

A primeira moça que amei era uma bela moreninha, de dezesseis anos de idade. Fiz-lhe a minha declaração na carta mais patética que um pateta poderia conceber: no fim de três dias recebi uma resposta abrasadora e cheia de protestos de gratidão e ternura; meu coração se entusiasmou com isso...

Na primeira reunião de estudantes contei a minha vitória, li a minha carta e a resposta que havia recebido: fui vivamente aplaudido; porém, oito dias depois, os mesmos estudantes quase que me quebraram a cabeça com cacholetas e gargalhadas, porque oito dias, bem contadinhos, depois dessa resposta, a minha terna amada casou-se com um velho de sessenta anos. Jurei não amar moça nenhuma que tivesse a cor morena.

Apaixonei-me logo e fui, desgraçadamente, correspondido por uma interessante jovem tão coradinha, que parecia mesmo uma rosa francesa. Nós nos encontrávamos nas noites dos sábados em certa casa, onde se dava todas as semanas uma partida; era a mais agradável sabatina que podia ter um estudante; porém, o meu novo amor chegava a ser tocante demais: a minha querida levava o ciúme até um ponto que atormentava prodigiosamente: se passava algum dia em que a não visse e lhe não mandasse uma flor, aparecia-me depois chorosa e abatida; se na tal partida eu me atrevia a dançar com alguma outra moça bonita, era contar com um desmaio certo, e desmaio de que não acordava sem que eu mesmo lhe chegasse ao nariz o seu vidrinho de essência de rosas; e tudo mais por este teor e forma. Este amor já estava um pouco velho, certamente, tinha três meses de idade. Um sábado mandei-lhe prevenir que faltaria à partida; mas, tendo terminado cedo meus trabalhos, não pude resistir ao desejo de vê-la e fui à reunião; eram onze horas da noite, quando entrei na sala, procurei-a com os olhos e certo moço, com quem me dava, que me entendeu, apontou para um gabinete vizinho. Voei para ele.

Ela estava sentada junto de um mancebo e com as costas voltadas para a porta: tomavam sorvetes.

Cheguei-me de manso: conversavam os dois, sem vergonha nenhuma, em seus amores!... Fiquei espantado e tanto mais que, pelo que ouvi, eles já se correspondiam há muito tempo; mas o meu espanto se tornou em fúria quando ouvi o machacaz falar no meu nome, fingindo-se zeloso, e receber em resposta as seguintes palavras: - O Augustozinho?... Lamente-o antes, coitado! é um pobre menino com quem me divirto nas horas vagas!... Soltei um surdo gemido; a traidora olhou para mim e, voltando-se depois para o seu querido, disse com o maior sangue-frio: - Ora aí tem! perdi por sua causa este divertimento.

Jurei não amar moça nenhuma de cor rosada. Sem emendar-me, ainda tomei-me cego amante de uma jovem pálida, e, como das outras vezes, fui correspondido com ardor; mas deste tive eu provas de afeto mui sérias. Antes de ver-me, ela amava um primo e até escrevia-lhe a miúdo; eu exigi que a minha terceira amada continuasse a receber cartas dele e que as respondesse; consentiu nisso, com a condição de lhe redigir eu as respostas. Belo! disse comigo: vou também divertir-me por minha vez à custa de um amante infeliz!

E o negócio ficou assentado.

Infelizmente eu não conhecia o primo da minha amada, mas essa era a infelicidade mais tolerável possível.

Um dia tratamos de encontrar-nos em certa igreja, onde tinha de haver esplêndida festa; cheguei cedo, mas, logo depois da minha chegada, rebentou uma tempestade e choveu prodigiosamente. Pouco durou o mau tempo, porém as ruas deveriam ter ficado alagadas e a bela esperada não podia vir; apesar disso eu olhava a todos os momentos para a porta e, coisa notável, sempre encontrava os olhos de um outro moço, que se dirigiam também para lá; acabada a festa, ambos nos aproximamos.

- Nós devemos ser amigos, disse ele.

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