Project Gutenberg's Á hora do crime, by Francisco Luiz Coutinho de Miranda This eBook is for the use of anyone anywhere at no cost and with almost no restrictions whatsoever. You may copy it, give it away or re-use it under the terms of the Project Gutenberg License included with this eBook or online at www.gutenberg.org Title: Á hora do crime
phantasia dramatica em 1 acto a proposito do assassinato do General Prim Author: Francisco Luiz Coutinho de Miranda
Release Date: April 6, 2007 [EBook #20999]
Language: Portuguese
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Á HORA DO CRIME
Á HORA DO CRIME
Phantasia dramatica em 1 acto
a proposito do assassinato do general Prim
por
Francisco Luiz Coutinho de Miranda
Lisboa
Typ. Livre--22, Rua da Padaria, 22
1871
AO PUBLICO
Nasci n'um anno em que o sangue dos cidadãos de Lisboa allagou as praças e as ruas da capital.
Foi uma carnificina monstruosa, o 13 de março de 1838!
As guardas nacionaes, colhidas á traição, fôram covardemente espingardeadas á ordem dos falsos interpretes das instituições, que a guarda nacional era chamada a zellar e defender!
Ainda se não sabe ao certo o numero dos martyres d'aquella tremenda hecatombe!
Eram pela rua aos montões os cadaveres dos populares e dos soldados, povo tambem, sacrificados n'aquelle dia aos caprichos e veleídades do governo pessoal!
E esses homens do povo, e esses guardas nacionaes, todas essas victimas innocentes da maldade e da ambição, eram na sua maior parte os valerosos companheiros do duque de Bragança; os que tinham amassado com o seu sangue generoso os alicerces do throno constitucional; os que tinham, pela sua coragem, pela sua dedicação, pelo seu civismo, conquistado para a filha do imperador-rei o throno de Portugal, na longa epopea que começou na ilha Terceira e terminou em Evora Monte!
Eu não havia ainda nascido; mas creio que minha santa mãe me concebeu então.
Vi a luz do mundo em nove de dezembro d'esse mesmo anno, quasi precisamente nove mezes depois de tão amplo addicionamento ao livro immenso do martyriologio da liberdade!
Bafejou-me ao nascer o ar das revoluções!
D'ahi talvez a origem das tendencias revolucionarias do meu espirito!
Quasi que o meu primeiro vagido se confundiu com os gritos de dôr das victimas
da tyrannia!
D'ahi por certo o meu amor pelo povo, e o meu horror pelos despotas!
Emballaram-me no berço as descripções detalhadas das acções homericas dos sitiados do Porto; educaram-me no respeito pelo principio santo da liberdade; desenvolveram-me a rasão, encaminhando-me sempre o espirito para as theorias, poeticas e patrioticas, do mais largo desenvolvimento dos foros e regalias do povo!
D'aqui indubitavelmente a minha crença sincera e firme na religião democratica!
Mas quem me diria, quando os primeiros alvores da rasão começaram a esclarecer-me a intellegencia; quando eu escutava com infantil respeito, no vivo enthusiasmo da creança que facilmente se exalta palas santas doutrinas da liberdade, a descripção singella que meu velho pae me fazia dos sacrificios e das privações, da fome e dos perigos, do sangue e das vidas, que a liberdade custara; quem me diria, repito, que aquelle honrado velho havia de ser victima dos falsos sacerdotes da sua religião politica; que eu proprio havia de ser constantemente torturado pelos depositarios infieis do thesouro riquissimo que meu pae ajudara a conquistar para o seu paiz!
E esta é, infelizmente, a verdade!
Tantas cazas arruinadas, tão ferteis campos tallados, tantas vidas preciosas offerecidas em holocausto á liberdade, de que serviram?
De bem pouco, na verdade!
Em vez da tyrannia, a falsa liberdade!
Em logar do despotismo brutal; mas franco, por que constituia a base do systema governativo, o despotismo hipocritamente encapotado no manto da liberdade, infamemente roubado á deusa dos povos, pelos falsos levitas da sua religião!
Em substituição do poder absoluto de um homem, o poder absoluto de muitos, que se dizem responsaveis, e que ainda não fizeram lei que torne effectiva a sua responsabilidade; que deveram ser filhos dos partidos, e que são oriundos de corrilhos e facções; que dão conta dos seus actos a parlamentos immoraes e ridiculos, que teem por base a viciação da urna, sanctuario da liberdade, e o
principio heriditario no exercicio de legislar, que é um absurdo, ou a fornada, que pode ser um abuso!