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Add to favorite Á hora do crime by Francisco Luiz Coutinho de Miranda online free read

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( A D. Emilio--do fundo ) É infelizmente assim, meu caro Castellar. Desde que aquelles hespanhoes, menos ciosos da velha dignidade castelhana, votaram na constituinte um rei estrangeiro, a minha fé continuou inabalavel; mas a minha esperança no futuro diminuiu consideravelmente!

D. EMILIO

E porque, estimavel D. Ramon?

D. RAMON

Porque o moço inexperiente; mas ambicioso de certo, que imprudentemente trocou o bem estar e socego, pelos espinhos agudissimos da corôa d'Hespanha, pode ser um bom rapaz, e é-o decerto; pode possuir um coração bem formado, e creio que o possue; pode mesmo desejar abrir na historia nossa patria uma era brilhante de beneficios, de liberdades, de tolerancias; mas é rei, e por mais digno que seja o seu sentir, por mais nobres que sejam as suas aspirações, hão de em pouco transformal-o em tyranno, em despota, em liberticida, os aulicos que hão de cercar-lhe o throno, as camarilhas que hão de insinuar-se no seu animo para lhe dominar a vontade, os maus cidadãos, emfim, que mais dão rasão de ser ao credo republicano, e que todos os dias, e a todas as horas, e em todos os instantes lhe conquistam adeptos, encaminhando os principes pela vereda fatal do erro, impellindo-os cynicamente para o plano inclinado onde se tem despenhado tantos, tantos!... arrastando comsigo as nações cujos destinos dirigiam!

D. EMILIO

Tem rasão em seus receios, D. Ramon; mas não a tem na sua descrença! Mau é que um rei venha matar as esperanças mais fagueiras que o povo hespanhol concebeu, quando, ao grito do triumpho magestoso da revolução de Cadix, viu cahir a pedaços o throno apodrecido d'essa mulher, que tanto sangue custou á nossa nobre terra! E peior é que esse rei, imposto á livre e orgulhosa Hespanha, seja um estrangeiro! O nosso proverbial orgulho, esse orgulho indomavel, que tornou sempre respeitados os cavalheirosos filhos d'Hespanha, sente-se ferido de morte na mais vulneravel das suas manifestações! Mas que importa isso? Quanto mais o justo orgulho, a nobre altivez de um povo se sente abatida e humilhada, tanto mais violento é o esforço supremo que deve dar-lhe a desaffronta, e com a desaffronta a liberdade! Tenha fé no futuro, D. Ramon!

D. RAMON

Fé!... Sei que a sua é viva e sincera, Castellar; não ignoro quanto a patria deve á sua dedicada abnegação e ás suas profundas convicções; sou o mais enthusiastico admirador desse talento collossal, que assombra a patria, e a Europa, e o mundo; mas sou velho, e na friesa que dão os sessenta annos, e na impassibilidade filha de uma longa experiencia, vejo as cousas por um prisma tristissimo, fatal! Vejo que quando o italiano fôr o senhor d'este paiz, por mais altivo e orgulhoso que o povo hespanhol seja, o jugo ferreo do despotismo ha de vir em seguida comprimil-o nas cadeias de escravo, e a emancipação da patria ficará por isso longamente addiada, porque as hecatombes e as carnificinas hão de levar o desanimo onde hoje existe o enthusiasmo, hão de levar a indifferença onde hoje vive o amor da patria!

D. EMILIO

( Com gesto sublime ) Basta velho! Que o ancião não pronuncie jámais em presença de correligionarios seus tão eloquentes palavras de descrença! A fé e a esperança são principios religiosos do christão, e devisa inalteravel do democrata! E christãos, e republicanos somos nós, para que aos nossos ouvidos possam chegar a descrença e o desespero, apostolados por um dos nossos!

Reanima-te, nobre ancião! soldado velho da liberdade! evangelisador sincero da republica! O futuro, se não é risonho e festival, não é completamente negro e

carregado de nuvens procellosas! A republica tem feito grandes conquistas no mundo! Na França opéra milagres! na Suissa dá nobres exemplos! na America offerece lição proficua! no nosso irmão e amigo Portugal cria profundas raizes! e até na propria Prussia produz phenomenos, porque ao passo que os exercitos devastadores do autocrata allemão talam os campos verdejantes da bella França, para asphyxiar a democracia, o povo de Berlim, que é povo, e que por isso é nobre, e generoso, e republicano, como todos os seus irmãos no mundo, elege para seu representante ao parlamento o chefe ostensivo do partido republicano d'Allemanha! E é n'esta conjunctura, que a voz auctorisada de um velho respeitavel ha de trazer o desalento ao espirito dos valentes campeões da democracia hespanhola?... Não, D. Ramon! O futuro é nosso! Ao triumpho completo da França, e elle ha-de vir, deve seguir-se o derrocamento dos thronos!

Á emancipação do povo francez seguir-se-ha a emancipação da Europa! A derrota do tyranno allemão deve necessariamente ser o signal da queda de todos os despotas do mundo!

( Durante esta falla tem entrado successivamente pelo fundo muitos individuos, e pela porta lateral D. Carlos, que recebe todos com cordialidade e affecto. ) TODOS

Apoiado!... Muito bem!... É assim!...

SCENA V

Os mesmos, D. Carlos, e os recem-vindos

D. EMILIO

( Voltando-se para o fundo ) Eil-os, os nossos amigos! Em todos a mesma fé! Em todos a mesma esperança!

D. RAMON

( Aos recem-chegados ) Conversavamos, eu e D. Emilio, acerca do futuro do paiz, e do obstaculo, não insuperavel, que a eleição do rei pode trazer é realisação dos nossos desejos!

D. EMILIO

Tratemos porém agora do assumpto que aqui nos traz hoje. ( A D. Ramon ) D.

Ramon, occupae a presidencia, vós, que sois o mais velho. ( A D. Carlos ) E vós, D. Carlos, exporeis as rasões que vos determinaram a convocar esta reunião dos nossos amigos.

D. RAMON

( Occupando a presidencia ) Acceito, não por vaidade; mas por condescendencia. Este logar pertence de direito ao honrado chefe do partido republicano hespanhol; que, modesto até ao extremo, nem mesmo entre os seus mais intimos e mais leaes amigos quer ser o primeiro; quando a verdade é que nenhum de nós se lhe avantaja, nem em talento, nem em virtude, nem em dedicação!

TODOS

Apoiado! Apoiado! ( D. Emilio agradece com o gesto ) D. CARLOS

Meus senhores, o rei está a chegar, o general Prim parte esta noute para Cartagena, a fim de o acompanhar a Madrid; é mister pois que o partido republicano tome uma deliberação definitiva ácerca do procedimento que deve adoptar no dia da coroação do italiano.

UMA VOZ

Formule a sua proposta.

D. CARLOS

( Continuando ) É o que vou fazer. Eu proponho que nós todos empreguemos os esforços possiveis, para que os nossos correligionarios madrilenos, sem excepção de um só, se apresentem vestidos de lucto pesado no dia da chegada de Amadeu a Madrid. Creio que faremos assim uma imponente manifestação, visto que imperiosas rasões partidarias obstam a que ella seja mais ruidosa e mais energica. É um protesto solemne contra a invasão ambiciosa do estrangeiro, e ao mesmo tempo um aviso ao seu espirito, que verá de certo no lucto do povo um argumento vehemente contra os que por adulação, por servilismo, por vil baixesa lhe hão de dizer no paço real, que elle inspira amor áquelles que só sentem por elle profunda indifferença, se não lhe votam do intimo d'alma rancor e odio!

D. EMILIO

Approvo a idéa; mas peço para fazer uma observação, talvez desnecessaria. A manifestação dos republicanos deve ser digna e nobre, para ser magestosa!

Envidemos toda a nossa energia, ponhamos em acção toda a nossa actividade, para que nem o italiano, nem o general que o fez rei d'Hespanha, soffram sequer um insulto! Amadeu é um principe ambicioso, talvez; mas julga acceitar

legalmente a corôa, por que legalmente lh'a julgou offerecer a maioria da assembléa constituinte, no erro fatal a que a levou o seu grande respeito por Prim, e o desconhecimento dos poderes limitados que lhe conferia o seu mandato! O marquez de los Castillejos, por mais fatal que fosse para a patria a sua obsecação, ou quem sabe se a difficuldade da sua posição politica, é hespanhol e liberal, foi o mais valente caudilho da revolução de Cadix, é um cidadão benemerito, é um general aguerrido, é o heroe do Mexico, de Reus, de Castillejos, de Marrocos e de Saragoça! Que um e outro sejam pois respeitados por nós! Que Amadeu, quando o povo lhe indicar imperiosamente o caminho da sua patria, não possa accusar os republicanos d'Hespanha de uma grosseria, ou de uma crueldade! Que Prim possa ser de futuro o esteio solido da republica, como tem sido mais de uma vez o sustentaculo valente da liberdade! ( Ouve-se fóra uma grande detonação. )

TODOS

( Erguendo-se e correndo á janella ) Que é isto? Que é isto?

D. RAMON

( Á janella ) Vejo muito povo aglomerado na esquina da rua do Turco... soldados e populares que correm para aquelle lado... e um fumo denso que é de certo produzido pelos tiros que ouvimos!

SCENA VI

Os mesmos, Izabel e depois Pablo

IZABEL

( Da porta lateral, correndo ) Que é isto, meus senhores? Não ouviram uma horrivel detonação? Foi de certo um crime tremendo que acabou de se perpetrar!

ALGUMAS VOZES

Ouvimos! Ouvimos!

D. CARLOS

( Na janella ) Lá corre um homem de bluze azul!... Toma a direcção do Prado!

Are sens