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Add to favorite Á hora do crime by Francisco Luiz Coutinho de Miranda online free read

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Apregoam para ahi uns orgãos da imprensa, que é livre, liberrima, a manifestação do pensamento politico!

Mentira!

Poucos como eu podem mais desafogadamente responder a uma tal asserção:

--Mentira!

Poucos podem clamar, com mais documentado conhecimento da causa: Mentira!

Sim, mentira, porque no meu paiz não existe liberdade para a manifestação do pensamento, e eu sou d'isso um exemplo vivo!

Fallei uma vez ao povo, dizendo-lhe verdades que elle deve conhecer, e perseguiram-me!

Nunca foi alterada a ordem publica nas pacificas reuniões em que eccoou a minha voz, e processaram-me!

Exercia um direito que meu pae me conquistara com o seu sangue, e vi cair na valla humilde do cimiterio, minado de desgostos, louco de rancor, desesperado de arrependimento, o velho honrado que me deu o ser, ao ver-me perseguido e homisiado pelo crime horrendo de fallar em publico!

Mais tarde, por que reincidi n'este crime nefando, os miseraveis roubaram-me o emprego, exercido durante; muitos annos com honra e zello, no desempenho do qual só recebera elogios, e nunca censuras, ou mesmo leves admoestações!

E a manifestação do pensamento é livre, liberrima!

Na imprensa o mesmo!

Ainda bem a minha penna não tem traçado um periodo vehemente de amarga censura, ou de pungente ironia, contra os que cynicamente antepõem á lei a sua vontade pessoal, e já os escrivães e os juizes, os delegados e os esbirros da justiça andam atarefados em levantar processos, que partam os bicos d'esta penna, que se não dobra á venalidade, e que prefere ser molhada no fel amargo do calix da perseguição, do que nas amphoras douradas da corrupção, em que innutilisam as suas os jornalistas devassos!

E a manifestação do pensamento é livre, liberrima!

Restava-me ainda um recurso!

Descobri um outro campo em que podesse evangelisar a minha idéa querida, sem offensa das idéas de ninguem!

Era o theatro!

O theatro, onde na velha e sabia Grecia se fazia a apologia da virtude politica, e se erguia o patibulo moral dos homens publicos menos fieis aos seus deveres de cidadãos!

O theatro, d'onde nos tempos do governo absoluto se dirigia a satyra pungente e a ironia mordaz, contra os que menos presavam a dignidade nacional, e se tornavam reus de leso patriotismo!

Nem essa tribuna me póde ser franqueada; e não obstante eu não a busquei sem levar vestido o habito da decencia; não me preparei para ella sem o mais escrupuloso commedimento na phrase; eu não pensei em fazer do palco estatua de Pasquino, nem cruz ignominiosa de nenhum homem publico!

E apesar d'isso conheço que me é deffeso pôr em scena as figuras com que mais sympathiso no grande theatro da politica universal!

Vejo que me não será permittido evangelisar á luz civilisadora da rampa as theorias do meu credo politico, como se proclamam ali as theorias scientificas, como se apregoam as doutrinas philosophicas, como se apostolisam os principios humanitarios!

Como se a sciencia, a philosophia e a humanidade não tivessem intimas relações com a politica em geral!

E é livre, liberrima, a manifestação do pensamento!

Mentira! Falsidade! Embuste!

Vi para ahi na scena uma peças, aliás bem urdidas, e correctamente escriptas, em que se relatavam scenas, mais ou menos exactas, da guerra barbara que tem assolado a França!

E pensei:

--Pois se é permittida a representação de peças, em que os auctores se apresentam manifestamente inclinados á causa da França, o que até certo ponto prejudica a neutralidade do paiz em presença da guerra; por que não ha de alguem, no campo altissimo das generalidades, tratar em these os mais altos principios politicos?

Por essa occasião deu-se o tristissimo episodio da morte de Prim, que foi o fatal epilogo da revolução de Cadix, e o negro prologo da monarchia que o valente general ergueu sobre os destroços da monarchia bourbonica.

Na ignorancia dos pormenores d'aquella tragica scena, que não honra de certo os que a executaram; fervilharam os boatos a respeito da origem do crime.

Uns atribuiam-no aos partidos, outros a individuos despeitados, e alguns em especial ao honrado partido republicano.

Repugnaram-me todas estas hypotheses, e indignou-me a ultima.

Onde está a abnegação, não existe o crime!

Onde vive o amor da patria, não se demora o plano tenebroso de morte, contra uma gloria nacional!

As boccas que proclamam a liberdade para o escravo, e o principio da inviolabilidade da vida humana; não pronunciam a voz de fogo na encrusilhada covarde!

D'estas considerações nasceu a idéa d'escrever o-- Á Hora do Crime.

Tracei-o, esforçando-me por guardar todas as conveniencias.

Puz em acção a idéa democratica; mas sem offensa para ninguem.

Advoguei o principio republicano, em these; sem que em nenhuma hypothese offensiva podesse ser ferido qualquer dos actores do grande drama tragico-festival, que nos ultimos dois mezes se representou em Hespanha.

E li depois o meu modesto trabalho a um amigo consciencioso, conhecedor dos segredos da scena, e habilissimo escriptor dramatico, pedindo-lhe a sua opinião franca, sincera, desapaixonada, acerca do meu pobre escripto.

Tive em resposta elogios immerecidos, que a sua amisade entendeu dever prodigalisar-me, e uma prophecia triste, que me calou todavia no espirito, pela experiencia que infelizmente me tem feito conhecer a intolerancia que, altiva e arrogante, domina no meu paiz!

A prophecia foi:

--A sua peça não pode ser representada, porque nenhum empresario, por mais liberal que seja, por mais desejo que tenha de dar ao seu trabalho a justa recompensa que merece, lh'o porá em scena. O sr. não sabe em que paiz vivemos?!

Acordei do lethargo em que me lançára o enthusiasmo pela minha idéa!

Conheci que o conselheiro que eu buscára cumpria o seu dever e era leal, porque me dizia verdade!

Resignei-me com a fatalidade que persegue o meu pensamento, quando tenta manifestar-se; e disse commigo:

--É atroz mentira, é pungente ironia, é refalsada falsidade, o principio que para ahi se proclama, asseverando que a manifestação do pensamento é livre em Portugal!

Não ha tal; em Portugal o pensamento vive agrilhoado á intollerancia! Só é livre para os que se entregam á politica mesquinha do soalheiro! Em a idéa se alargando pelos vastos horisontes da verdade eterna ha de ir forçosamente responder por ella, como criminoso, ao tribunal ou á cadêa, o que ousou manifestal-a!

E como é proverbio velho, que--contra a força não ha resistencia; não insisti no intuíto, e metti o trabalho na gaveta.

A pedido de alguns correligionarios que o conhecem, dou-o hoje á estampa.

Are sens