MARTINEZ
Louca! Poucos dias faltam para a realisação da tua e da minha ventura!
Terminadas as festas da coroação serás minha esposa á face de Deus.
IZABEL
E se tu não voltares, Martinez? Se os inimigos do novo rei, e elles são tantos!
empregarem um recurso extremo para impedir que elle cinja a corôa e empunhe o sceptro de S. Fernando?
MARTINEZ
Que vãos terrores te obsecam o espirito! Ignoras acaso que o general cobre Amadeu, e que entrando em Hespanha o novo rei sob a egide de Prim, ha de chegar inculume, por entre o respeito e o enthusiasmo das multidões, até aos degraus do throno que lhe conquistámos em Alcolêa?
IZABEL
Eu não duvido do prostigio do teu general, nem do valor dos seus briosos
companheiros de Cadix, que ainda hoje o seguem; mas não creio na boa estrella que os monarchicos devisam onde eu só vejo negrura e trevas!
MARTINEZ
( Ancioso ) Explica-te!
IZABEL
Ouço o que dizem meu pae e meu irmão; escuto as palavras dos seus correligionarios politicos que aqui se reunem; conheço as valiosas relações que elles manteem entre as classes populares; sei que é grande a sua dedicação pela republica, que é immenso o seu enthusiasmo por ella, que é sublime a sua abnegação, e que todos elles estão dispostos a implantar no solo da patria a arvore frondosa e santa da republica, ainda mesmo a troco dos maiores sacrificios!
MARTINEZ
( Inquieto ) Queres tu dizer, Izabel, que os correligionarios de teu pae e de teu irmão estão dispostos... O que ouviste, Izabel?
IZABEL
( Com dignidade ) O que eu ouço nas reuniões que se realisam n'esta casa, não t'o digo eu agora, nem t'o direi jámais! Se o amor me prendeu o coração a um monarchico, não me obsecou o espirito a ponto de me fazer trahir a causa que a minha familia defende, e que eu reputo santa.
MARTINEZ
( Hesitando ) Elles pensam em assassinar o rei?
IZABEL
( Com indignação ) Não! Os republicanos não defendem a inviolabilidade da vida humana para arrancarem covardemente a vida a um homem! Na religião democratica respeita-se a virtude, e condemna-se o crime! Os republicanos não pensam em assassinar ninguem, porque o assassinato é um crime!
MARTINEZ
Confesso, porém, que as tuas palavras chegaram a inspirar-me um profundo terror! Tinhas dito ha pouco...
IZABEL
É que os republicanos não são os unicos inimigos do rei! Amadeu tem contra si a má vontade de todos os partidos d'Hespanha; e dos que o repellem, dos que o guerreiam, dos que jámais lhe darão tregoas, só os republicanos teem por devisa o horror ao crime, só elles respeitam com dogma o principio da inviolabilidade da vida do homem!
MARTINEZ
Verás que te illudes!
IZABEL
Oxalá!.. E se fosse só o novo rei que me inspirasse receios por ti! E o teu general?!... Ninguem como elle tem hoje um nome mais brilhante na Hespanha; mas ninguem como elle tem mais irreconciliaveis inimigos entre o povo hespanhol! Prim poz a corôa de Izabel na cabeça de Amadeu, e nem mesmo os mais encarniçados inimigos da rainha lhe perdoam que elle lhe derrocasse o throno, para edificar sobre as suas ruinas o throno de um estrangeiro!
MARTINEZ
( Sorrindo ) Vejo-me obrigado a fechar a sessão! Se te embrenhas tão cegamente no labyrintho da politica, pouco tempo te restará para cuidares dos preparativos da nossa festa nupcial! Pença em mim, Izabel; ante-gosa a nossa proxima felicidade, e deixa a teu pae e a teu irmão o cuidado de vellarem pela patria que elles lealmente amam; e de prestarem cultos á religião politica, que tão nobremente professam. ( Vae a sair. ) IZABEL
( Detendo-o ) Então sempre vaes?
MARTINEZ
Que fazer? ( Consultando o relogio ) São seis horas e meia... Deve estar a findar a sessão do Congresso, e tenho de acompanhar o general, que parte hoje em minha companhia, e na de Nandin e Moya, para Cartagena, a fim de esperarmos e acompanharmos a Madrid sua magestade Amadeu 1.º
IZABEL
Vae, vae, meu querido; e oxalá que essa viajem do rei novo me não fira de morte o coração, onde se abriga um tão grande amor por ti! Escreve-me, Martinez; escreve-me de todos os pontos onde descançares! Olha que se me parte o coração n'esta despedida!
MARTINEZ
Socega e espera! Se Deus quiz que nos amassemos tanto, não foi de certo para nos fazer infelizes! ( Abraçam-se.--Martinez sae pelo fundo. )