Uns atribuiam-no aos partidos, outros a individuos despeitados, e alguns em especial ao honrado partido republicano.
Repugnaram-me todas estas hypotheses, e indignou-me a ultima.
Onde está a abnegação, não existe o crime!
Onde vive o amor da patria, não se demora o plano tenebroso de morte, contra uma gloria nacional!
As boccas que proclamam a liberdade para o escravo, e o principio da inviolabilidade da vida humana; não pronunciam a voz de fogo na encrusilhada covarde!
D'estas considerações nasceu a idéa d'escrever o-- Á Hora do Crime.
Tracei-o, esforçando-me por guardar todas as conveniencias.
Puz em acção a idéa democratica; mas sem offensa para ninguem.
Advoguei o principio republicano, em these; sem que em nenhuma hypothese offensiva podesse ser ferido qualquer dos actores do grande drama tragico-festival, que nos ultimos dois mezes se representou em Hespanha.
E li depois o meu modesto trabalho a um amigo consciencioso, conhecedor dos segredos da scena, e habilissimo escriptor dramatico, pedindo-lhe a sua opinião franca, sincera, desapaixonada, acerca do meu pobre escripto.
Tive em resposta elogios immerecidos, que a sua amisade entendeu dever prodigalisar-me, e uma prophecia triste, que me calou todavia no espirito, pela experiencia que infelizmente me tem feito conhecer a intolerancia que, altiva e arrogante, domina no meu paiz!
A prophecia foi:
--A sua peça não pode ser representada, porque nenhum empresario, por mais liberal que seja, por mais desejo que tenha de dar ao seu trabalho a justa recompensa que merece, lh'o porá em scena. O sr. não sabe em que paiz vivemos?!
Acordei do lethargo em que me lançára o enthusiasmo pela minha idéa!
Conheci que o conselheiro que eu buscára cumpria o seu dever e era leal, porque me dizia verdade!
Resignei-me com a fatalidade que persegue o meu pensamento, quando tenta manifestar-se; e disse commigo:
--É atroz mentira, é pungente ironia, é refalsada falsidade, o principio que para ahi se proclama, asseverando que a manifestação do pensamento é livre em Portugal!
Não ha tal; em Portugal o pensamento vive agrilhoado á intollerancia! Só é livre para os que se entregam á politica mesquinha do soalheiro! Em a idéa se alargando pelos vastos horisontes da verdade eterna ha de ir forçosamente responder por ella, como criminoso, ao tribunal ou á cadêa, o que ousou manifestal-a!
E como é proverbio velho, que--contra a força não ha resistencia; não insisti no intuíto, e metti o trabalho na gaveta.
A pedido de alguns correligionarios que o conhecem, dou-o hoje á estampa.
N'esta tribuna não temo as responsabilidades, por que respondo eu pelo que escrevi.
No theatro pode o genio da oppressão embargar-me a voz; mas na imprensa e no comicio ha de ella soltar-se sempre livre e desembaraçada, em quanto m'a não
asphyxiarem os algozes da liberdade!
Á HORA DO CRIME
PHANTASIA DRAMATICA
PERSONAGENS
D. Emilio Castellar--chefe do partido republicano hespanhol.
D. Ramon Viegas--correligionario de D. Emilio.
D. Carlos Viegas--correligionario de D. Emilio.
Martinez--ajudante do general Prim.
Izabel--filha de D. Ramon e noiva de Martinez.
Pablo--criado de D. Ramon.
Correligionarios de D. Emilio
A acção passa-se em casa de D. Ramon, rua de Alcalá, em Madrid, na noute do assassinato de Prim.
Salla espaçosa, guarnecida com modesta elegancia. Porta ao fundo e lateraes.
Janella. Ao meio da scena uma mesa e uma cadeira, e aos lados duas ordens de cadeiras.
SCENA I
Izabel e Martinez
IZABEL
( A Martinez, que se dispõe a sahir ) Que precipitação é essa, meu querido?! Não sei o que me vaticina o coração! Desejava que não sahisses hoje d'aqui!