Devia-se ter feito advogado, político, intrigante. Tinha nascido para isso!
Ergueu-se, e com grandes passadas pela sala, o cigarro na mão, a voz cortante, expôs um plano de ambição: — O país está a preceito para um intrigante com vontade! Esta gente toda está velha, cheia de doenças, de catarros de bexiga, de antigas sífilis! Tudo isto está podre por dentro e por fora! O velho mundo constitucional vai a cair aos pedaços... Necessitam-se homens!
E plantando-se diante de Sebastião:
—
Este pais, meu caro amigo, tem-se governado até aqui com expedientes.
Quando vier a revolução contra os expedientes, o país há de procurar quem tenha os princípios. Mas quem tem aí princípios? Quem tem aí quatro princípios? Ninguém; têm dívidas, vícios secretos, dentes postiços; mas
princípios, nem meio! Por consequência se houver três patuscos que se deem ao trabalho de estabelecer meia dúzia de princípios sérios, racionais, modernos, positivos, o país tem de se atirar de joelhos e suplicar-lhes:
"Senhores, fazei-me a honra insigne de me pôr o freio nos dentes!" Ora, eu devia ser um destes. Nasci para isso! E seca-me a ideia de que enquanto outros idiotas, mais astutos e mais previdentes, hão de estar no poleiro a reluzir ao sol, al hermoso sol português, como se diz nas zarzuelas, eu hei de estar a receitar cataplasmas a velhas devotas, ou a ligar as ruturas de algum desembargador caduco.
Sebastião calado pensava na outra, morta em cima.
—
Estúpido país, estúpida vida! — rosnou Julião.
Mas uma carruagem entrou na rua, parou à porta.
—
Chegam os príncipes! — disse Julião. Desceram logo.
Jorge ajudava a Luísa a sair do trem, quando Sebastião, abrindo a porta bruscamente:
—
Houve cá grande novidade!
—
Fogo? — gritou Jorge voltando-se aterrado.
—
A Juliana, que lhe rebentou o aneurisma — disse a voz de Julião da sombra da porta.
—
Oh, com os diabos! — E Jorge atarantado procurava à pressa na algibeira troco para o cocheiro.
—
Ai, eu já não entro! — exclamou logo D. Felicidade, mostrando à portinhola a sua larga face envolvida numa manta branca. — Eu já não entro!
—
Nem eu! — fez Luísa toda trémula.
—
Mas para onde queres que vamos, filha? — exclamou Jorge.
Sebastião lembrou que podiam ir para casa dele. Tinha o quarto da mamã, era só pôr lençóis na cama.
—
Vamos, sim! Vamos, Jorge! É o melhor! — suplicou Luísa.
Jorge hesitava. A patrulha que ia passando ao alto da rua, ao ver aquele grupo junto à lanterna do trem, parou. E Jorge enfim, instado, muito contrariado, consentiu.
—
Diabo de mulher, morrer a semelhante hora! A carruagem vai-a levar, D. Felicidade..
—
E a mim, que estou em chinelas! — acudiu Julião.
D. Felicidade lembrou então, como cristã, que era necessário alguém, para velar a morta. .
—
Ora, pelo amor de Deus, D. Felicidade! — exclamou Julião entrando logo para a carruagem, batendo com a portinhola.