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Ela disse consternada:

– Não sei como se faz outra cara. Mas é só na cara que sou triste porque por dentro eu só até alegre. É tão bom viver, não é?

– Claro! Mas viver bem é coisa de privilegiado. Eu sou um e você me vê magro e pequeno mas sou forte, eu com um braço posso levantar você do chão. Quer ver?

– Não, não, os outros olham e vão maldar!

– Magricela esquisita ninguém olha.

E lá foram para a esquina. Macabéa estava muito feliz.

Realmente ele a levantou para o ar, acima da própria cabeça. Ela disse eufórica:

– Deve ser assim viajar de avião.

É. Mas de repente ele não agüentou o peso num só braço e ela

caiu de cara na lama, o nariz sangrando. Mas era delicada e foi logo dizendo:

– Não se incomode, foi uma queda pequena.

Como não tinha lenço para limpar a lama e o sangue, enxugou o rosto com a saia, dizendo:

– Você não olhe enquanto eu estiver me limpando, por favor, porque é proibido levantar a saia.

Mas ele emburrara de vez e não disse mais nenhuma palavra.

Passou vários dias sem procurá-la: seu brio fora atingido.

Afinal terminou por voltar para ela. Por motivos diferentes entraram num açougue. Para ela o cheiro da carne crua era um perfume que a levitava toda como ,se tivesse comido. Quanto a ele, o que queria ver era o açougueiro e sua faca amolada. Tinha inveja do açougueiro e também queria ser. Meter a faca na carne o excitava.

Ambos saíram do açougue satisfeitos. Embora ela se perguntasse: que gosto terá esta carne? E ele se perguntava: como é que uma pessoa consegue ser açougueiro? Qual era o segredo? (O pai de Glória trabalhava num açougue belíssimo.) Ela disse:

– Eu vou ter tanta saudade de mim quando morrer.

– Besteira, morre-se e morre-se de uma vez.

– Não foi o que minha tia me ensinou.

– Que tua tia se dane.

– Sabe o que eu mais queria na vida? Pois era ser artista de cinema. Só vou ao cinema no dia em que o chefe me paga. Eu escolho cinema poeira, sai mais barato. Adoro as artistas. Sabe que Marylin era toda cor-de-rosa?

– E você tem cor de suja. Nem tem rosto nem corpo para ser artista de cinema.

– Você acha mesmo?

– Tá na cara.

– Não gosto de ver sangue no cinema. Olhe, sangue eu não posso mesmo ver porque me dá vontade de vomitar.

– Vomitar ou chorar?

– Até hoje com a graça de Deus nunca vomitei.

– É, dessa vaca não sai leite.

Pensar era tão difícil, ela não sabia de que jeito se pensava.

Mas Olímpico não só pensava como usava palavreado fino. Nunca esqueceria que no primeiro encontro ele a chamara de “senhorinha”, ele fizera dela um alguém. Como era um alguém, comprou um batom cor-de-rosa. O seu diálogo era sempre oco. Dava-se conta longinquamente de que nunca dissera uma palavra verdadeira. E

“amor” ela não chamava de amor, chamava de não-sei-o-quê.

– Olhe, Macabéa...

– Olhe o quê?

– Não, meu Deus, não é “olhe” de ver, é “olhe” como quando se quer que uma pessoa escute! Está me escutando?

– Tudinho, tudinho!

– Tudinho o quê, meu Deus, pois se eu ainda não falei! Pois olhe vou lhe pagar um cafezinho no botequim. Quer?

– Pode ser pingado com leite?

– Pode, é o mesmo preço, se for mais, o resto você paga.

Macabéa não dava nenhuma despesa a Olímpico. Só dessa vez quando lhe pagou um cafezinho pingado que ela encheu de açúcar quase a ponto de vomitar mas controlou-se para não fazer vergonha.

O açúcar ela botou muito para aproveitar.

E uma vez os dois foram ao Jardim Zoológico, ela pagando a própria entrada. Teve muito espanto ao ver os bichos. Tinha medo e não os entendia: por que viviam? Mas quando viu a massa compacta, grossa, preta e roliça do rinoceronte que se movia em câmara lenta, teve tanto medo que se mijou toda. O rinoceronte lhe pareceu um erro de Deus, que me perdoe por favor, sim? Mas não pensara em Deus nenhum, era apenas um modo de. Com a graça de alguma divindade Olímpico nada percebeu e ela disse a ele:

– Estou molhada porque me sentei no banco molhado. E ele

nada percebeu. Ela rezou automaticamente em agradecimento. Não era agradecimento a Deus, só estava repetindo o que aprendera na infância.

– A girafa é tão elegante, não é?

– Besteira, bicho não é elegante.

Ela teve inveja da girafa que pairava tão longe no ar. Tendo visto que seus comentários sobre bichos não agradavam Olímpico, procurou outro assunto:

– Na Rádio Relógio disseram uma palavra que achei meio esquisita: mimetismo.

Olímpico olhou-a desconfiado:

– Isso é lá coisa para moça virgem falar? E para que serve saber demais? O Mangue está cheio de raparigas que fizeram perguntas demais.

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