Mas Olímpico não só pensava como usava palavreado fino. Nunca esqueceria que no primeiro encontro ele a chamara de “senhorinha”, ele fizera dela um alguém. Como era um alguém, comprou um batom cor-de-rosa. O seu diálogo era sempre oco. Dava-se conta longinquamente de que nunca dissera uma palavra verdadeira. E
“amor” ela não chamava de amor, chamava de não-sei-o-quê.
– Olhe, Macabéa...
– Olhe o quê?
– Não, meu Deus, não é “olhe” de ver, é “olhe” como quando se quer que uma pessoa escute! Está me escutando?
– Tudinho, tudinho!
– Tudinho o quê, meu Deus, pois se eu ainda não falei! Pois olhe vou lhe pagar um cafezinho no botequim. Quer?
– Pode ser pingado com leite?
– Pode, é o mesmo preço, se for mais, o resto você paga.
Macabéa não dava nenhuma despesa a Olímpico. Só dessa vez quando lhe pagou um cafezinho pingado que ela encheu de açúcar quase a ponto de vomitar mas controlou-se para não fazer vergonha.
O açúcar ela botou muito para aproveitar.
E uma vez os dois foram ao Jardim Zoológico, ela pagando a própria entrada. Teve muito espanto ao ver os bichos. Tinha medo e não os entendia: por que viviam? Mas quando viu a massa compacta, grossa, preta e roliça do rinoceronte que se movia em câmara lenta, teve tanto medo que se mijou toda. O rinoceronte lhe pareceu um erro de Deus, que me perdoe por favor, sim? Mas não pensara em Deus nenhum, era apenas um modo de. Com a graça de alguma divindade Olímpico nada percebeu e ela disse a ele:
– Estou molhada porque me sentei no banco molhado. E ele
nada percebeu. Ela rezou automaticamente em agradecimento. Não era agradecimento a Deus, só estava repetindo o que aprendera na infância.
– A girafa é tão elegante, não é?
– Besteira, bicho não é elegante.
Ela teve inveja da girafa que pairava tão longe no ar. Tendo visto que seus comentários sobre bichos não agradavam Olímpico, procurou outro assunto:
– Na Rádio Relógio disseram uma palavra que achei meio esquisita: mimetismo.
Olímpico olhou-a desconfiado:
– Isso é lá coisa para moça virgem falar? E para que serve saber demais? O Mangue está cheio de raparigas que fizeram perguntas demais.
– Mangue é um bairro?
– É lugar ruim, só pra homem ir. Você não vai entender mas eu vou lhe dizer uma coisa: ainda se encontra mulher barata. Você me custou pouco, um cafezinho. Não vou gastar mais nada com você, está bem?
Ela pensou: eu não mereço que ele me pague nada porque me mijei.
Depois da chuva do Jardim Zoológico, Olímpico não foi mais o mesmo: desembestara. E sem notar que ele próprio era de poucas palavras como convém a um homem sério, disse-lhe:
– Mas puxa vida! Você não abre o bico e nem tem assunto!
Então aflita ela lhe disse:
– Olhe, o Imperador Carlos Magno era chamado na terra dele de Carolus! E você sabia que a mosca voa tão depressa que se voasse em linha reta ela ia passar pelo mundo todo em 28 dias?
– Isso é mentira!
– Não é não, juro pela minha alma pura que aprendi isso na Rádio Relógio!
– Pois não acredito.
– Quero cair morta neste instante se estou mentindo. Quero que meu pai e minha mãe fiquem no inferno, se estou lhe enganando.
– Vai ver que cai mesmo morta. Escuta aqui: você está fingindo que é idiota ou é idiota mesmo?
– Não sei bem o que sou, me acho um pouco... de quê? ...Quer dizer não sei bem quem eu sou.
– Mas você sabe que se chama Macabéa, pelo menos isso?
– É verdade. Mas não sei o que está dentro do meu nome. Só sei que eu nunca fui importante...
– Pois fique sabendo que meu nome ainda será escrito nos jornais e sabido por todo o mundo.
Ela disse para Olímpico:
– Sabe que na minha rua tem um galo que canta?
– Por que é que você mente tanto?
– Juro, quero ver minha mãe cair morta se não é verdade!