"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » » "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Select the language in which you want the text you are reading to be translated, then select the words you don't know with the cursor to get the translation above the selected word!




Go to page:
Text Size:

Cinqüenta

Sessenta:

Se mil forem belas,

Amo a todas elas.

- Que pateta!...

- Que tolo!...

- Que vaidoso!

- Essa opinião segue também o Augusto!

- Oh!... e esse paspalhão!...

- Ei-las comigo... murmurou entre dentes o nosso estudante, estendendo o pescoço a modo de cágado.

- Como lhe fica mal aquela cabeleira!... assemelha-se muito a uma preguiça.

- Tem as pernas tortas.

- Eu creio que ele é corcunda.

- Não, aquilo é magreza.

- Forte impertinente! falando é um Lucas...

- Há de ser interessante dançando!

- Vamos nós tomá-lo à nossa conta?

- Vamos: pensemos nos meios de zombar dele cruelmente...

- Pois pensemos...

Mas elas não tiveram tempo de pensar, porque, neste momento, ouviu-se um grito de dor, ao qual seguiu-se viva agitação no interior daquela casa, onde inda há pouco só se respirava prazer e delícias. As quatro moças levantaram-se espantadas.

- Pareceu-me a voz de minha prima Carolina, exclamou D. Joaninha.

- Coitada! que lhe sucederia?...

- Vamos ver.

As quatro moças correram precipitadamente para fora do quarto.

Augusto, que não estava menos assustado, saiu de seu esconderijo, vestiu-se apressadamente e ia, por sua vez, deixar aquele lugar, em que se vira em tantos apuros, quando deu com os olhos na carta do Sr. Joãozinho, que, com a pressa e agitação, havia D. Gabriela deixado cair.

O estudante apanhou e guardou aquele interessante papel, e com prontidão e cuidado pôde, sem ser visto, escapar-se do gabinete.

Um instante depois foi cuidadoso procurar saber a causa do rumor que ouvira.

O grito de dor tinha sido, com efeito, soltado por D. Carolina.

13

Os Quatro em Conferência

Ninguém se arreceie pela nossa travessa. O grito de dor foi, na verdade, seu; mas, se alguém corre perigo, não é certamente ela. O caso é simples.

Morava com a Sra. D. Ana uma pobre mulher, por nome Paula, muito estimada de todos, porque o era da despotazinha daquela ilha, de D. Carolina, a quem tinha servido de ama. Os desvelos e incômodos que tivera na criação da menina lhe eram sobejamente pagos pela gratidão e ternura da moça.

Ora, todos se tinham ido para o jardim logo depois do jantar, mas o nosso amigo Keblerc achara justo e prudente deixar-se ficar fazendo honras à meia dúzia de lindas garrafas, das quais se achava ternamente enamorado; contudo, ele pensava que seria mais feliz se deparasse com um companheiro que o ajudasse a reqüestar aquelas belezas: era um amante sem zelos. Por infelicidade de Paula, o alemão a lobrigou ao entrar num quarto. Chamou-a, obrigou-a a sentar-se junto de si, mostrou por ela o mais vivo interesse e depois convidou-a a beber à saúde de seu pai, sua mãe e sua família.

Não havia remédio senão corresponder a brindes tão obrigativos. Depois não houve ninguém no mundo a quem Keblerc não julgasse dever com a sua meia língua dirigir uma saúde, e, como já estivesse um pouco impertinente, forçava Paula a virar copos cheios. Passado algum tempo, e muito naturalmente, Paula se foi tornando alegrezinha e por sua vez desafiava Keblerc a fazer novos brindes; em resultado as seis garrafas foram-se. Paula deixou-se ficar sentada, risonha e imóvel, junto à mesa, enquanto o alemão, rubicundo e reluzente, se dirigiu para a sala.

Quando daí a pouco a ama de D. Carolina quis levantar-se, pareceu-lhe que estava uma nuvem diante de seus olhos, que os copos dançavam, que havia duas mesas, duas salas e tudo em dobro; ergueu-se e sentiu que as paredes andavam-lhe à roda, que o assoalho abaixava e levantava-se debaixo dos pés; depois... não pôde dar mais que dois passos, cambaleou e, acreditando sentar-se numa cadeira, caiu com estrondo contra uma porta. Logo confusão e movimento... Ninguém ousou pensar que Paula, sempre sóbria e inimiga de espíritos, se tivesse deixado embriagar, e, por isso, correram alguns escravos para o jardim, gritando que Paula acabava de ter um ataque.

A primeira pessoa que entrou em casa foi D. Carolina que, vendo a infeliz mulher estirada no

assoalho, caiu sobre ela, exclamando com força:

- Oh! minha mãe!... - Foi este o seu grito de dor.

Momentos depois Paula se achava deitada numa boa cama e rodeada por toda a família; porém, havia algazarra tal, que mal se entendia uma palavra.

- Isto foi o jantar que lhe deu na fraqueza, gritou uma avelhantada matrona, que se supunha com muito jeito para a Medicina; é fraqueza complicada com o tempo frio... não vale nada... venha um copo de vinho!

E dizendo isto, foi despejando meia garrafa de vinho na boca da pobre Paula que, por mais que lépida e risonha o fosse engolindo a largos tragos, não pôde livrar-se de que a interessante Esculápia lhe entornasse boa porção pelos vestidos.

- São maleitas! exclamava D. Violante, com toda a força de seus pulmões... são maleitas!...

Quem lhe olha para o nariz diz logo que são maleitas! Eu já vi curar-se uma mulher, que teve o mesmo mal, com cauda de cobra moída, torrada e depois desfeita num copo d’água tirada do pote velho com um coco novo e com a mão esquerda, pelo lado da parede. É fazer isso já.

- São lombrigas! gritava uma terceira.

- É ataque de estupor! bradava a quarta senhora.

- É espírito maligno! acudiu outra, que foi mais ouvida que as primeiras... é espírito maligno que lhe entrou no corpo! venha quanto antes um padre com água benta e seu breviário.

- Ora, para que estão com tal azáfama?... disse uma senhora, que acabava de entrar no quarto; não se vê logo que isto não passa de uma mona, que a boa da Paula tomou? Olhem: até tem o vestido cheio de vinho.

- Mona, não senhora! acudiu D. Carolina; a minha Paula nunca teve tão feio costume, e, se está molhada com vinho, a culpa é desta senhora, que há pouco lhe despejou meia garrafa por cima. Oh! é bem cruel que, mesmo vendo-se a minha dor, digam semelhantes coisas!...

No meio de toda esta balbúrdia era de ver-se o zelo e a solicitude da menina travessa!... Observava-se aquela Moreninha de quinze anos, que parecera somente capaz de brincar e ser estouvada, correndo de uma para outra parte, prevenindo tudo e aparecendo sempre onde se precisava apressar um serviço ou acudir a um reclamo. Só cuidava de si quando devia enxugar as lágrimas.

Junto do leito apareceram os quatro estudantes.

Are sens