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Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

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- Senhor!...

- Veja se eu sei dar um pedilúvio!

E nisto o estudante abaixou-se e tomou os pés de Paula, enquanto D. Carolina, junto dele, o olhava com ternura.

Quando Augusto julgou que era tempo de terminar, a jovenzinha recebeu os pés de sua ama e os envolveu na toalha que tinha nos braços.

Agora deixemo-la descansar, disse o moço.

- Ela corre algum risco?... perguntou a menina.

- Afirmo que acordará amanhã perfeitamente boa.

- Obrigada!

- Quer dar-me a honra de acompanhá-la até à sala? disse Augusto, oferecendo a mão direita à bela Moreninha.

Ela não respondeu, mas olhou-o com gratidão, e aceitando o braço do mancebo deixou o quarto de Paula.

15

Um Dia em Quatro Palavras

Ao romper do dia de Sant’Ana estavam todos na ilha de... descansando nos braços do sono; era isso muito natural, depois de uma noite como a da véspera, em que tanto se havia brincado.

Com efeito, os jogos de prendas tinham-se prolongado excessivamente. A chegada de D. Carolina e Augusto lhes deu ainda dobrada viveza e fogo. A bonita Moreninha tornou-se mais travessa do que nunca; mil vezes bulhenta, perturbava a ordem dos jogos, de modo que era preciso começar de novo o que já estava no fim; outras tantas rebelde, não cumpria certos castigos que lhe impunham, não deu um só beijo e aquele que atreveu-se a abraçá-la teve em recompensa um beliscão.

Finalmente, ouviu-se a voz de: - vamos dormir, e cada qual tratou de fazer por consegui-lo.

O último que se deitou foi Augusto e ignora-se por que saiu de luz na mão, a passear pelo jardim, quando todos se achavam acomodados; de volta do seu passeio noturno, atirou-se entre Fabrício e Leopoldo e imediatamente adormeceu. Os estudantes dormiram juntos.

São seis horas da manhã e todos dormem ainda o sono solto.

Um autor pode entrar em toda parte e, pois... Não, não, alto lá! no gabinete das moças... não senhor, no dos rapazes, ainda bem. A porta está aberta. Eis os quatro estudantes estirados numa larga esteira; e como roncam!... Mas que faz o nosso Augusto? Ri-se, murmura frases imperceptíveis, suspira...

Então que é isso lá?... dá um beijo em Fabrício, acorda espantado e ainda em cima empurra cruelmente o mesmo a quem acaba de beijar...

Oh! beleza! oh! inexplicável poder de um rosto bonito que, não contente com as zombarias que faz ao homem que vela, o ilude e ainda zomba dele dormindo!

Estava o nosso estudante sonhando que certa pessoa, de quem ele teve até aborrecimento e que agora começa com os olhos travessos a fazer-lhe cócegas no coração, vinha terna e amorosamente despertá-lo; que ele fingira continuar a dormir e ela se sentara à sua cabeceira; que traquinas como sempre, em vez de chamá-lo, queria rir-se, acordando-o pouco a pouco; que, para isso, aproximava seu rosto do dele, e, assoprando-lhe os lábios, ria-se ao ver as contrações que produzia a titilação causada pelo sopro; que ele, ao sentir tão perto dos seus os lindos lábios dela, estava ardentemente desejoso de furtar-lhe um beijo, mas que temia vê-la fugir ao menor movimento; que, finalmente, não podendo mais resistir aos seus férvidos desejos, assentara de, quando se aproximasse o belo rosto, ir de um salto colher o voluptuoso beijo naquela boquinha de botão de rosa; que o rosto chegou à distância de meio palmo e... (aqui parou o sonho e principiou a realidade) e ele deu um salto e, em lugar de pregar um terno beijo nos lábios de D. Carolina, foi, com toda a força e estouvamento, bater com os beiços e nariz contra a testa de Fabrício; e como se o colega tivesse culpa de tal infelicidade, deu-lhe dois empurrões, dizendo:

- Sai-te daí, peste!... ora, quando eu sonhava com um anjo, acordo-me nos braços de Satanás!...

Corra-se, porém, um véu sobre quanto se passou até que se levantaram do almoço. A sociedade se dividiu logo depois em grupos. Uns conversavam, outros jogavam, dois velhos ferraram-se no gamão, as moças espalharam-se pelo jardim e os quatro estudantes tiveram a péssima lembrança de formar uma mesa de voltarete.

E apesar do poder todo da cachaça do jogo, de cada vez quer qualquer deles dava cartas, ficava na mesa um lugar vazio e junto do arco da varanda, que olhava para o jardim, colocava-se uma sentinela.

Já se vê que o voltarete não podia seguir marcha muito regular. Augusto, por exemplo, distraía-se com freqüência tal, que às vezes passava com basto e espadilha e era codilhado todas as mãos que jogava de feito.

A Moreninha já fazia travessuras muito especiais no coração do estudante; e ele, que se acusava de haver sido injusto para com ela, agora a observava com cuidado e prazer, para, em compensação, render-lhe toda a justiça.

D. Carolina brilhava no jardim e, mais que as outras, por graças e encantos que todos sentiam e que ninguém poderia bem descrever, confessava-se que não era bela, mas jurava-se que era encantadora; alguém queria que ela tivesse maiores olhos, porém não havia quem resistisse à viveza de seus olhares; as que mais apaixonados fossem da doce melancolia de certos semblantes em que a languidez dos olhos e brandura de custosos risos estão exprimindo amor ardente e sentimentalismo, concordariam por força que no lindo rosto moreno de D. Carolina nada iria melhor do que o prazer que nele transluz e o sorriso engraçado e picante que de ordinário enfeita seus lábios; além disto, sempre em brincadora guerra com todos e em interessante contradição consigo mesma, ela a um tempo solta um ai e uma risada, graceja, fazendo-se de grave, fala, jurando não dizer palavra, apresenta-se, escondendo-se, sempre quer, jamais querendo.

Nunca também se havia mostrado a Moreninha tão jovial e feiticeira, mas para isso boas razões havia: esse era o dia dos anos de sua querida avó e a pobre Paula, sua estimada ama, estava completamente restabelecida.

Eis uma deliciosa invasão!... dez moças entram de repente na varanda e num momento dado tudo se confunde e amotina; D. Carolina atira no meio da mesa do voltarete uma mão cheia de flores; enquanto Filipe faz tenção de dirigir-lhe um discurso admoestador, ela furta-lhe a espadilha e voa, para tornar a aparecer logo depois. É impossível continuar assim!... dá-se por acabado o jogo e a Moreninha,

à custa de um único sorriso, faz as pazes com o irmão.

- Parabéns, Sra. D. Joaquina, disse Augusto; já triunfou de uma de suas rivais!

- Como?... perguntou ela.

- Ora, que esta minha prima nunca entende as figuras do Sr. Augusto, acudiu D. Carolina; explique-se, Sr. Doutor!

- Sua prima, minha senhora, a aurora e a rosa disputam sobre qual primará na viveza da cor, e eu vejo que ela já tem presa no cabelo uma das duas rivais.

- Eu o encarrego com prazer da guarda fiel desta minha competidora... seja o seu carcereiro!

disse D. Quinquina, querendo tirar uma linda rosa do cabelo, para oferecê-la a Augusto.

- Ó minha senhora! seria um cruel castigo para ela, que se mostra tão vaidosa!

- Pois rejeita?...

- Certo que não; aceito mas rogo um outro obséquio.

- Qual?...

- Que por ora lhe conceda seus cabelos por homenagem.

- Pois bem, será satisfeito; eu guardarei a sua rosa.

- Mas cuidado, não haja quem liberte a bela cativa! disse Leopoldo.

- Protesto que a hei de furtar, acrescentou D. Carolina.

- Desafio-lhe a isso! respondeu-lhe a prima.

Então começou uma luta de ardis e cuidados entre a Moreninha e D. Quinquina. Aquela já tinha debalde esgotado quantos estratagemas lhe pôde sugerir seu fértil espírito, e enfim, fingindo-se fatigada, veio sossegadamente conversar junto de D. Quinquina, que, não menos viva, conservava-se na defensiva.

Depois de uma meia hora de hábil afetação, a menina travessa, com um rápido movimento, fez cair o leque de sua adversária; Leopoldo abaixou-se para levantá-lo e D. Quinquina, um instante despercebida, curvou-se também e soltou logo um grito, sentindo a mão da prima sobre a rosa, e com a sua foi acudir a esta; houve um conflito entre duas finas mãozinhas, que mutuamente se beliscaram, e em resultado desfolhou-se completamente a rosa.

- Morreu a bela cativa!... morreu a pobre cativa!... gritaram as moças.

- D. Carolina está criminosa! disse D. Clementina.

- Vai ao júri, minha senhora!

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