- Não lhe fico atrás, juro-lhe eu! exclamou D. Quinquina.
- Nem eu! Nem eu! disseram as outras duas.
- Isso é bom de se dizer, tornou a primeira; mas, felizmente, podemos tirar as dúvidas.
- Como?
- Facilmente: vamos medir nossas pernas.
Ouvindo tal proposição, o nosso estudante, apesar de se ver em apuros embaixo da cama, arregalou os olhos de maneira que lhe pareciam querer saltar das órbitas, porém, D. Gabriela, que não parecia estar muito consigo e que só por honra da firma dissera o seu “nem eu!”, veio deixá-lo com água na boca.
- Havia de ser engraçado, disse ela, arregaçarmos aqui nossos vestidos!...
- Que tinha isso?... acudiu D. Quinquina; não somos todas moças?... dir-se-ia que não temos dormido juntas.
- É verdade, acrescentou D. Clementina e, além de que, não se veria demais senão quatro ou cinco saias por baixo do segundo vestido.
- E talvez algum saiote... vamos a isto!
- Não... não... disse, por sua vez, D. Joaninha.
- Pois por mim não era a dúvida, tornou D. Clementina, com ar de triunfo, recostando-se mole e voluptuosamente nas almofadas, e deixando escorregar de propósito uma das pernas para fora do leito, até tocar com o pé no chão, de modo que ficou à mostra até o joelho.
- Quem me dera já casar... suspirou ela.
Pobre Augusto!... não te chamarei eu feliz!... ele vê a um palmo dos seus olhos a perna mais bem torneada que é possível imaginar!... através da finíssima meia aprecia uma mistura de cor de leite com a cor-de-rosa e, rematando este interessante painel róseo, um pezinho que só se poderia medir a
polegadas, apertado em um sapatinho de cetim, e que estava mesmo pedindo um... dez... cem... mil beijos; mas, quem o pensaria? não foram beijos o que desejou o estudante outorgar àquele precioso objeto; veio-lhe ao pensamento o prazer que sentiria dando-lhe uma dentada... Quase que já se não podia suster... já estava de boca aberta e para saltar... Porém, lembrando-se da exótica figura em que se via, meteu a roupa que tinha enrolada entre os dentes e, apertando-os com força, procurava iludir sua imaginação.
- Quem me dera já casar!... repetiu D. Clementina.
- Isto é fácil, disse D. Gabriela; principalmente se devemos dar crédito aos que tanto nos perseguem com finezas. Olhem, eu vejo-me doida!... mais de vinte me atormentam! Querem saber o que me sucedeu ultimamente?... Eu confesso que me correspondo com cinco... isto é só para ver qual dos cinco quer casar primeiro; pois bem, ontem, uma preta que vende empadas e que se encarrega das minhas cartas, recebeu da minha mão duas...
- Logo duas?...
- Ora pois, apesar de todas as minhas explicações, a maldita estava de mona. Mesmo dizendo-lhe eu dez vezes: a de lacre azul é do Sr. Joãozinho e a de verde é do Sr. Juca, sabem o que fez?... Trocou as cartas!
- E o resultado?...
- Ei-lo aqui, respondeu D. Gabriela, tirando um papel do seio; ao vir embarcar, e quando descia a escada, a tal preta, com a destreza precisa, entregou-me este escrito do Sr. Joãozinho: “Ingrata! Ainda tremem minhas mãos, pegando no corpo de delito da tua perfídia! Escreves a outro? Compareces por tão horrível crime perante o júri do meu coração; e, bem que tenhas nesse tribunal a tua beleza por advogada, o meu ciúme e justo ressentimento, que são os juízes, te condenam às perpétuas galés do desprezo; e só te poderás livrar delas se apelares dessa sentença para o poder moderador de minha cega paixão.”
- Bravo, D. Gabriela! o Sr. Joãozinho é sem dúvida estudante de jurisprudência?
- Não, é doutor.
- Bem mostra pelo bem que escreve.
- Mas eu sou bem tola! conto tudo o que me sucede e ninguém me confia nada!
- Isso é razoável, disse D. Clementina; nós devemos pagar com gratidão a confiança de D.
Gabriela. Eu começo declarando que estou comprometida com o Sr. Filipe a deixar esta noite, embaixo da quarta roseira da rua do jardim, que vai direita ao caramanchão, um embrulhozinho com uma trança de meus cabelos.
- Que asneira?... por que lhe não entrega ou não lho manda entregar?...
- Ora... eu tenho muita vergonha... antes quero assim; até parece romântico.
- São caprichos de namorados! falou D. Quinquina; havia tanto tempo para isso! mas, enfim, de futilidades é que amor se alimenta. Querem ver uma dessas? O meu predileto está de luto e por isso exige que eu vá à festa de... com uma fita preta no cabelo, em sinal de sentimento; exige ainda que eu não valse mais, que não tome sorvetes, para não constipar, que não dê dominus tecum a moço nenhum que espirrar ao pé de mim, e que jamais me ria quando ele estiver sério; e a tudo isso julga ele ter muito direito por ser tenente da Guarda Nacional! Pois, por isso mesmo, ando agora de fita branca no cabelo, valso todas as vezes que posso, tomo sorvetes até não poder mais, dou dominus tecum aos moços mesmo quando eles não espirram e não posso ver o Sr. Tenente Gusmão sério sem soltar uma gargalhada.
- Olhem lá o diabinho da sonsa! murmurou consigo mesmo Augusto, embaixo da cama.
- E você, mana, não diz nada?... perguntou ainda ela a D. Joaninha.
- Eu?... o que hei de dizer? respondeu esta; digo que ainda não amo.
- É a única que ama deveras! pensou o estudante, a quem já doíam as cadeiras de tanto agachar-se.
- E o Sr. Fabrício?... e o Sr. Fabrício?... exclamaram as três.
- Pois bem, tornou D. Joaninha, é o único de quem gosto.
- Mas que temos nós feito nesta ilha?... que triunfos havemos conseguido?... Vaidade para o lado: moças bonitas, como somos, devemos ter conquistado alguns corações!
- Juro que estou completamente aturdida com os protestos de eterna paixão do Sr. Leopoldo, disse D. Quinquina; mas é uma verdadeira desgraça ser hoje moda ouvir com paciência quanta frivolidade vem à cabeça - não direi à cabeça, porque parece que os tolos como que não a têm, porém, aos lábios de um desenxabido namorado. O tal Sr. Leopoldo... não é graça, eu ainda não vi estudante mais desestudável!...
- Você, D. Joaninha, acudiu D. Clementina, tem-se regalado hoje com o incomparável Fabrício.
Não lhe gabo o gosto... só as perninhas que ele tem!...