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Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

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Augusto já estava falando em voz baixa a D. Gabriela.

- Vós, senhora, ainda não amastes a pessoa alguma; para vós amor não existe: é um sonho apenas; só olhais como real a galanteria; vós quereis zombar de mim, porque vos protestei os mesmos sentimentos que havia protestado a mais três companheiras vossas e, todavia, estais incursa em igual delito, pois só por cartas vos correspondeis com cinco mancebos.

- Senhor!...

- Oh! não vos impacienteis; quereis provas?... Há quatro dias, uma vendedeira de empadas, que se encarrega de vossas cartas, enganou-se na entrega de duas; trocou-as e deu, se bem me lembra a fada, a de lacre azul ao Sr. Juca e a de lacre verde ao Sr. Joãozinho.

- Ora... ora, senhor! quem lhe contou essas invenções?

- A fada! e fez mais ainda. Vós não achareis em vosso álbum o escrito desesperado do Sr.

Joãozinho, que vos foi entregue no momento de vossa partida para esta ilha; sou eu que o tenho, a fada mo deu há pouco com sua mão invisível.

- Impossível! balbuciou D. Gabriela, recorrendo ao seu álbum.

Ela não podia encontrar o escrito.

- Sr. Augusto, disse então, toda vergonha e acanhamento; eu lho rogo que me dê esse papel.

- Pois não quereis ouvir mais nada?...

- Basta o que tenho ouvido e que não posso bem compreender; mas dê-me o que lhe pedi.

- Daqui a pouco, senhora, na hora de minha partida para a Corte, porém, com uma condição.

- Pode dizê-la.

- Sois sobremaneira delicada, senhora; este excesso vos deve ser nocivo; quereis fazer-me o obséquio de ir descansar e dar-me a honra de aceitar a minha mão até à porta da gruta?...

- Com muito prazer.

Então os dois se dirigiram para fora; passando junto das três companheiras, D. Gabriela pôde apenas dizer-lhes:

- Até logo.

Chegando à porta, Augusto falou já em outro tom:

- Minha senhora, espero que me faça a justiça de crer que fico extremamente penalizado por não poder dilatar por mais tempo a glória de acompanhá-la; mas sabe o que ainda tenho de fazer.

- Obrigada, respondeu D. Gabriela, não poupe as outras.

Não é possível bem descrever a admiração das três.

Augusto chegou-se a D. Quinquina, e tomando-lhe a mão, disse:

- Minha senhora, é chegada vossa vez.

D. Quinquina deixou-se levar para junto da fonte; as moças tinham perdido toda a força; o que diante delas se passava pedia uma explicação que não estava ao seu alcance dar. Augusto começou:

- Senhora, eu poderia dizer-vos, pelo que me conta a boa fada, que vós sois como as outras de vossa idade, tão volúveis como eu; mas para tal saber não precisava eu beber da água encantada; podia também gastar meia hora em falar-vos do vosso galanteio com um tenente da Guarda Nacional, por nome Gusmão...

- Senhor!...

- Por nome Gusmão, que leva o seu despotismo amoroso ao ponto de exigir que não valseis, que não tomeis sorvetes, que não deis dominus tecum quando ao pé de vós espirrar algum moço e que não vos riais quando ele estiver sério.

- Quem lhe disse isso, senhor?...

- A fada, senhora; e ainda me disse mais: por exemplo, contou-me que no baile desta noite, passeando com um velho militar, vós recebestes da mão dele um lindo cravo e a seus olhos o escondestes, com gesto apaixonado, no palpitante seio; mas daí a um quarto de hora essa mesma flor, tão ternamente aceita, deveria ir parar no bolso de um belo jovem, chamado Lúcio, se acaso não fosse roubada pela fada que preside esta fonte.

- Eu não entendo nada do que o senhor está dizendo... isso não é comigo.

- Eu me explico: o Sr. Lúcio viu ser dado e recebido o presente e, fingindo-se zeloso, vos pediu esse cravo, muito notável, porque, além da flor aberta, havia sete flores em botão. Ora, dizei, não é verdade? Pois o Sr. Lúcio queria esse cravo, mas vós lho não podíeis dar, porque o velho militar não tirava os olhos de vós; ora, conversando com o Sr. Lúcio, acordastes ambos que ele iria esperar um instante no jardim e que um pequeno escravo, por nome Tobias, lhe levaria a flor; e como o tal Tobias ainda não conhecia o Sr. Lúcio, este lhe daria por senha as seguintes palavras: sete botões; não foi assim?

D. Quinquina guardou silêncio; tudo era verdade; ela estava cor de nácar. Augusto prosseguiu:

- Isto se passou estando vós na grande varanda, sentados em um banco e com as costas voltadas para uma janela da sala do jogo; ora, a fada esteve recostada a essa janela, ouviu quanto dissestes e, como lhe é dado tomar todas as figuras, tomou a de moço, foi ao jardim, e quando viu o Tobias, disse sete botões; e o cravo foi logo da fada e é agora meu, ei-lo aqui!...

- Isto é uma invenção; eu não conheço essa flor.

- Bem! então consentireis que eu a traga esta manhã no meu peito?... Se não confessais, eu a mostrarei... O senhor coronel ainda se não retirou e...

- Perdoe-me, balbuciou, enfim, D. Quinquina, deixando cair uma lágrima na mão de Augusto.

Dê-me esse maldito cravo.

- Eu vo-lo darei na hora de minha partida, senhora, porém, ouvi mais.

- Basta.

- Pois bem, basta; mas eu vejo que vossa face está umedecida; seria uma lágrima se o relento da noite não molhasse também a rosa. Quereis descansar, sem dúvida; poderei gozar o prazer de conduzir-vos até à porta da gruta?...

- Sim, senhor.

Duas guerreiras tinham sido batidas; só a curiosidade retinha as outras: Augusto se chegou para elas e falou a D. Clementina:

- Agora nós, senhora.

Ela deixou-se levar pela mão até junto da fonte, e o estudante começou:

- Quereis fatos de anteontem ou da noite passada, senhora?

- Eu não entendo o que o senhor quer dizer.

- Pergunto, senhora, se vos dá gosto que eu vos repita o que convosco se passou, quando tomáveis um sorvete ao lado de um jovem de cabelos negros... o que convosco conversou o meu colega Filipe, quando tomáveis chá?

- Eu não preciso saber nada disso.

- Então dir-vos-ei o que mais vos interessa, sossegarei mesmo os vossos cuidados e os do Sr.

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