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Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

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- Não! não, minha senhora! é preciso dizer-me mais alguma cousa ainda!... por força a fada lhe deveria ter revelado! ela, que adivinha tudo o que está dentro do meu coração, digo o que ainda se passa nele.

- Nada mais de disse.

- Beba outro copo d’água...

- Não julgo necessário.

- Pois então...

- Cumpre retirar-me.

- Não, por certo! perdoe-me minha senhora, mas eu devo descobrir todos os meus segredos a quem conhece tão boa parte deles.

- Eu me contento com o pouco que sei.

- Ouça uma só palavra...

- Não sou curiosa.

- Pois a senhora...

- Sei que sou senhora, mas sou exceção de regra; não quero saber.

- Embora, eu lhe direi ainda contra a vontade...

- E para isso toma-me a saída?...

- É só para dizer que eu amo...

- Já sei, a sua mulher.

- Não é isso: a uma bela moça...

- Ela o deve ser agora.

- Muito espirituosa...

- Já ela o era em criança.

- E que se chama...

- Ah! espreitam-nos da entrada da gruta?

Augusto correu a examinar quem era a indiscreta testemunha; não aparecia pessoa alguma; compreendeu então que fora ainda um meio de que se lembrara D. Carolina para não deixá-lo concluir sua declaração e, disposto a lançar-se aos pés da menina, voltou-se já com o nome da bela nos lábios e...

D. Carolina tinha desaparecido da gruta.

19

Entremos nos Corações

O que é bom dura pouco. As festas estão acabadas; nossas belas conhecidas bordam; nossos alegres estudantes estão de livro na mão. Mas, pelo que toca a estes, qual é, digam-me, qual é o estudante que, depois de uma patuscada de tom, não fica por oito dias incapaz de compreender a mais insignificante lição? Isto sucede assim; essa pobre gente vê, por toda a parte, e misturando-se com todos os pensamentos, no livro em que estuda, nas estampas que observa, na dissertação que escreve, o baile, as moças e os prazeres que apreciou.

O nosso Augusto, por exemplo, está agora bronco para as lições e impertinente com tudo. Rafael é quem paga o pato; se o inocente moleque lhe apronta o chá muito cedo, apanha meia dúzia de bolos, porque quer ir vadiar pelas ruas; se no dia seguinte se demora só dez minutos, leva dois pescoções, para andar mais ligeiro. Não há, enfim, cousa alguma que possa contentar o Sr. Augusto; está aborrecido da Medicina, tem feito duas gazetas na aula; de ministerial que era, passou-se para a oposição; não quer mais ser assinante de periódicos, não há para seus olhos lugar nenhum bonito no mundo; aborrece a Corte, detesta a roça e só gosta das ilhas.

Deveremos fazer-lhe uma visita; ele está em seu gabinete e um pouco menos carrancudo, porque Leopoldo, o seu amigo do coração, o acompanha e tem a paciência de lhe estar ouvindo, pela duodécima vez, a narração do que com ele se passou na ilha de...

Segundo parece, Augusto acaba de relatar o que ocorreu na gruta, entre ele e a bela Moreninha, porque Leopoldo lhe perguntou:

- E por onde fugiria ela?...

- Por uma difícil saída que eu não havia observado, respondeu Augusto, e que exatamente se praticava no fundo da gruta.

- Que diabinho de menina!

- Quanto mais se tu notasses a graça e malícia com que ela, quando eu entrei na sala, me perguntou sossegadamente: “Esteve dormindo na gruta, Sr. Augusto?...”

- Então ela gostou da tua semideclaração?!...

- Não... não... se ela tivesse gostado, não me fugiria.

- Ora, é boa! não devia fazer outra coisa.

- Se ela gostasse de mim!... mas, por que me não deu um só sinal de ternura?... Também eu, às vezes, tão adiantado, fui desta um tolo, um basbaque! tremi diante de uma criança que não tem quinze anos e não soube dizer duas palavras.

- Estás doido, Augusto, e doido varrido; acredita que D. Carolina foi mais sensível aos teus cumprimentos que aos de nenhum outro, e se não, dize por que se não deixou ela dormir, como as outras senhoras, e foi à hora de tua partida passear pela praia e ver-te embarcar?... Por que ficou ali

passeando até desaparecer o teu batelão?...

- Isto não significa nada.

- Ora, ature-se um namorado!... mas venha cá, Sr. Augusto, então como é isso?... estamos realmente apaixonados?!

- Quem te disse semelhante asneira?...

- Há três dias que não falas senão na irmã de Filipe e...

- Ora, viva! quero divertir-me... digo-te que a acho feia, não é lá essas coisas; parece ter mau gênio. Realmente notei-lhe muitos defeitos... sim... mas, às vezes... Olha, Leopoldo, quando ela fala ou mesmo quando está calada, ainda melhor; quando ela dança ou mesmo quando está sentada... ah! ela rindo-se... e até mesmo séria... quando ela canta ou toca ou brinca ou corre, com os cabelos à négligé, ou divididos em belas tranças; quando... Para que dizer mais? Sempre, Leopoldo, sempre ela é bela, formosa, encantadora, angélica!

- Então, que história é essa? Acabas divinizando a mesma pessoa que, principiando, chamaste feia?...

- Pois eu disse que ela era feia? É verdade que eu... no princípio... Mas depois... Ora! estou com dores de cabeça, este maldito Velpeau!... Que lição temos amanhã?

- Tratar-se-á das apresentações de...

- Temos maçada! Quem te perguntou por isso agora? Falemos de D. Carolina, do baile, do...

- Eis aí outra! Não acabaste de perguntar-me qual era a lição de amanhã?

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