- Que por ora lhe conceda seus cabelos por homenagem.
- Pois bem, será satisfeito; eu guardarei a sua rosa.
- Mas cuidado, não haja quem liberte a bela cativa! disse Leopoldo.
- Protesto que a hei de furtar, acrescentou D. Carolina.
- Desafio-lhe a isso! respondeu-lhe a prima.
Então começou uma luta de ardis e cuidados entre a Moreninha e D. Quinquina. Aquela já tinha debalde esgotado quantos estratagemas lhe pôde sugerir seu fértil espírito, e enfim, fingindo-se fatigada, veio sossegadamente conversar junto de D. Quinquina, que, não menos viva, conservava-se na defensiva.
Depois de uma meia hora de hábil afetação, a menina travessa, com um rápido movimento, fez cair o leque de sua adversária; Leopoldo abaixou-se para levantá-lo e D. Quinquina, um instante despercebida, curvou-se também e soltou logo um grito, sentindo a mão da prima sobre a rosa, e com a sua foi acudir a esta; houve um conflito entre duas finas mãozinhas, que mutuamente se beliscaram, e em resultado desfolhou-se completamente a rosa.
- Morreu a bela cativa!... morreu a pobre cativa!... gritaram as moças.
- D. Carolina está criminosa! disse D. Clementina.
- Vai ao júri, minha senhora!
- É verdade, vamos levá-la ao júri.
A idéia foi recebida com aplauso geral, só Filipe se opôs.
- Não, não, disse ele. Carolina é muito rebelde, e se fosse condenada não cumpriria a sentença.
- Ó maninho! não diga isso.
- Você jura obedecer?...
- Eu juro por você.
- Tanto pior... era mais um motivo para se tornar perjura.
- Pois bem, dou a minha palavra, não é suficiente?
- Basta! basta!
Organizou-se o júri; Fabrício foi encarregado da presidência, um outro moço serviu de escrivão, e cinco moças saíram por sorte para juradas; D. Clementina terá de ser a relatora da sentença. Augusto foi declarado suspeito na causa, e Filipe foi escolhido para advogado da ré e Leopoldo da autora.
A sessão começou.
Longo fora enumerar tudo o que se passou em duas horas muito agradáveis e por isso muito breves, também.
Toda a companhia veio tomar parte naquele divertimento improvisado e até, quem o diria?!, os dois velhos deixaram o tabuleiro do gamão! Resuma-se alguma coisa.
As testemunhas foram D. Gabriela e uma outra, que deram provas de bastante espírito. O
interrogatório de D. Carolina fez rir a quantos o ouviram. O debate dos advogados esteve curioso.
Leopoldo acusou a ré, demonstrando que tinha havido a circunstância agravante da premeditação e que o crime se tornava ainda mais feio, por ser causado pelo ciúme; procurou provar que D. Carolina, cônscia de seus encantos e beleza, queria ser senhora absoluta de todos os corações e até de todos os seres, que ela se enchera de zelos supondo, com razão, que Augusto desse subido valor à rosa, por lhe ser dada por uma moça bela como a autora e, enfim, que o ciúme da ré era tão excessivo, que já na tarde antecedente jurara a perda daquela flor, por desconfiar que o zéfiro brincava mais com ela do que com seus olhos.
Filipe não se deixou ficar atrás. Argumentou dizendo que era impossível decidir que mão tinha dado a morte à bela cativa, que não houvera premeditação, porque a ré não quisera matar mas, sim libertar; que, se havia crime, só o cometera a autora, por prender uma inocente flor; e que, por último, ainda quando fosse a ré que desfolhara a rosa e mesmo dando-se o propósito de o fazer, dever-se-ia atribuir tal ação à piedade, pois que D. Quinquina a estava matando pouco a pouco com o veneno da inveja, colocando-a tão perto de suas faces, que tanto a venciam em rubor e viço.
As juradas recolheram-se à toilette e cinco minutos depois voltaram com a sentença, que foi lida por D. Clementina.
O júri declarou D. Carolina criminosa e a condenou a indenizar o dono da rosa com um beijo.
- Para fazer tal, disse a ré, não carecia eu de sentença do júri; tome um beijo, minha prima...
- Não é a mim que o deve dar, respondeu a autora; o dono da rosa é o Sr. Augusto.
De rosa fez-se então o rosto de D. Carolina.
- O beijo! o beijo! gritaram as juradas. Você deu sua palavra!
Ela hesitou alguns momentos... depois, aproximou-se de Augusto e, com seu sorriso feiticeiro e irresistível nos lábios, disse:
- O senhor me perdoa?...
- Não! Não! Não! - clamaram de todos os lados.
Mas a menina parecia contar com o poder de seus lábios, porque, sorrindo-se ainda do mesmo modo, tornou a perguntar com meiguice e ternura:
- Me perdoa?...
- Não! não!
- Porém, como resistir ao seu sorriso?... como dizer que não a quem pede como ela?... exclamou Augusto, entusiasmado.