"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » » "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Select the language in which you want the text you are reading to be translated, then select the words you don't know with the cursor to get the translation above the selected word!




Go to page:
Text Size:

- Poderia eu contar-vos uma longa história de velho moribundo, esmeralda, camafeu, mas basta de vossa mulher; permiti que vos diga que mostrava ser uma criança doidinha, que cedo começava a fazer loucuras.

- Que cruel juízo!

- Oh! não vos agasteis; eu a respeito também, em atenção a vós, porém, vamos acabar com o vosso passado. Houve um tempo em que quisestes figurar entre os amigos como galanteador de damas, e por justo e bem merecido castigo fostes desgraçado: todas elas zombaram de vós!

E a menina interrompeu-se, para rir-se da cara que fazia Augusto.

- Ora, por esta não esperava eu, disse o estudante.

- A primeira jovem que reqüestastes foi uma moreninha de dezesseis anos, que jurou-vos gratidão e ternura, e casou-se oito dias depois com um velho de sessenta anos! não foi assim?

E a menina, de novo, desatou a rir.

- Minha senhora, de que gosta tanto?

- Ora! é que a fada está-me dizendo que ainda em cima vossos amigos, quando souberam de tal, deram-vos uma roda de cacholetas!

- Então a Sra. D. Ana lhe contou tudo isso?

- Juro-vos, senhor, que minha avó não me fala em semelhantes objetos. Consenti que eu continue.

A segunda foi uma jovem coradinha, a quem em uma noite ouvistes dizer num baile que éreis um pobre menino com quem ela se divertia nas horas vagas, não foi assim?

- Prossiga, minha senhora.

- A terceira foi uma moça pálida, que zombou solenemente, tanto de um primo que tinha, como de vós. Eis alguns de vossos principais galanteios. Exasperado com o infeliz resultado deles e vivamente tocado das leras e da música de certo lundu que se vos cantou, tomastes outro partido e desde então vós pretendeis fazer-vos passar por borboleta de amor.

- Borboleta?!... Sim... sim... lembro-me agora que a senhora passeava pelo jardim. Já sei de quem foram certas carreirinhas e, portanto, compreendo que sabeis tudo à custa...

- À custa da fada, senhor, e escuso estender-me mais, porque vós estais bem certo de que eu devo saber ainda muito.

- Sim, mas diga sempre.

- Não, antes quero falar-vos do vosso presente.

- Pelo amor de seus belos olhos, minha senhora, vamos antes ao que eu não sei, vamos ao meu futuro.

- Sois sobejamente sôfrego! não vedes como isso vai contra a boa ordem da narração?

- Mas a desordem é hoje a moda! o belo está no desconcerto; o sublime no que se não entende; o feio é só o que podemos compreender: isto é romântico; queira ser romântica, vamos ao meu futuro.

- Pois bem, vamos ao vosso futuro. Principiarei, como pretendia fazer, se falasse do presente de vossa vida, dizendo-vos que vós não sois inconstante como afetais.

- Misericórdia!

- Mas que estais a ponto de o ser: digo-vos que perdereis uma certa aposta que fizestes com três estudantes.

- Como é isso? Então a senhora sabe...

- A fada, que me revelou isso, leu a termo na carteira de quem o guardou.

- A fada? sim, a feiticeira o leu... Compreendo.

- Vós não sois inconstante, porque tendes até hoje cultivado com religioso empenho o amor de vossa mulher; mas vós ides ser, porque não longe está o dia em que a esquecereis por outra.

- A culpa será dos olhos dessa outra; porém, quem sabe?...

- Desejo que não; contudo, eu já vos vejo em princípio e temo que vades ao fim; sereis perjuro, tereis de escrever um romance e perdoai-me se vos desejo este mal: eu quisera que ao pé de meu irmão, que vos apresentará o termo da aposta, aparecesse a vossos olhos a mulher traída. Do vosso futuro eis quanto me disse a fada.

- E disse bastante para me confundir.

- Quereis que vos fale agora de vosso presente?

- Oh, se quero! No presente está a minha glória.

- Ontem, no baile, dissestes palavras de ternura pelo menos a seis senhoras.

- Esta agora é melhor! e quem o pôde notar?

- Provavelmente a fada vos observava.

- Então a fada, a feiticeira fazia isso?

- Depois do baile puseram-vos duas cartas no bolso.

- Que mãos delicadas...

- Não mo sabe dizer a fada; porém, vós viestes para esta gruta acudindo a um convite e fingistes adivinhar segredos de corações. Não era verdade: a fada nada vos revelou; o que dissestes sabíeis antes e a fada me disse como.

- Explique-me, pois, minha senhora.

- Quando involuntariamente fui causa de vos entornarem café nas calças, vós fostes mudar de roupa e entrastes para o gabinete das senhoras; lá ouvistes tudo o que afetastes adivinhar há pouco.

- E quem me viu entrar?

- A fada, sem dúvida. O cravo de D. Quinquina fostes vós que recebestes no jardim; na noite dos jogos de prendas, fostes vós ainda quem, com uma luz na mão, procurou e achou a trança de cabelos de D. Clementina, embaixo da quarta roseira da rua que vai para o caramanchão.

- Mas quem observou o que eu fiz às escondidas e com tanto cuidado?

- A fada, que, segundo penso, vos tem sempre seguido com os olhos.

- A fada?!... a feiticeira me segue sempre com os olhos?!... Oh! como sou feliz!... a feiticeira é a senhora!

- Senhor! sois pouco modesto; que me importariam vossos passos e vossas ações?...

- Perdão! perdão!... eu sou um tresloucado... um incivil... um doido... não sei o que faço, nem o que digo; mas continue...

- Basta! vós duvidastes da fada e por isso eu termino aqui.

Are sens