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Primeiro Domingo: Ele Marca

Augusto madrugou, e muito; quando a aurora começou a aparecer, já ele havia vencido meia viagem e seu desejo era ir acordar na ilha de..., uma pessoa que tinha o mau costume de dormir até alto dia; por isso instava com os seus remeiros para que forcejassem; e, enquanto seu batelão se deslizava pelas águas, rápido como uma flecha pelos ares, ele o acusava de pesado, de vagoroso; tinha há muito descoberto a ilha de... e; os objetos foram pouco a pouco se tornando mais e mais distintos; viu a casa, viu o rochedo em que outrora a tamoia deveria ter cantado seus amores e de sobre o qual cantara, há oito dias, D. Carolina a sua balada; depois distinguiu sobre esse rochedo negro um ponto, um objeto branco, que foi crescendo, sempre crescendo, que enfim lhe pareceu uma figura de mulher, que ostentava a alvura de seus vestidos. Depois ele tinha desviado um pouco os olhos; quando os voltou de novo para o rochedo, a figura branca havia desaparecido como um sonho.

Enfim o batelão abordou a ilha de...; Augusto correu a casa de que tantas saudades sofrera; todos já se tinham levantado; ninguém dormia, D. Carolina estava vestida de branco.

- Eu lhe agradeço bem, Sr. Augusto, disse a Sra. D. Ana, depois dos primeiros cumprimentos; eu lhe agradeço a sua boa visita; nós temos passado oito dias de nojo, e foi preciso que Filipe nos trouxesse a notícia de sua vinda, para reviver nossa antiga alegria; Carolina, por exemplo, desde ontem à noite já tem estado sofrivelmente travessa.

- Eu, minha avó, sempre tive fama de desinquieta e prazenteira; e se ontem me adiantei, foi porque chegou-me um companheiro para traquinar comigo.

- Não o negues, menina; tens estado melancólica e abatida toda esta semana; eram saudades da agradável companhia que tivemos. Que eram saudades conheci eu pelos suspiros que soltavas e também não vai mal nenhum em confessá-lo.

D. Carolina voltou o rosto. Augusto arregalou os olhos e sentiu que a ventura lhe inundava o coração.

- O mesmo por lá nos sucedeu, disse Filipe tomando a palavra; estivemos todos carrancudos e, seja dito em amor da verdade, Augusto, mais do que nenhum outro, gostou de nosso trato e nossa companhia; realmente foi ele que o mostrou sofrer maiores saudades.

- É verdade, Sr. Augusto? perguntou a boa hóspeda.

- Minha senhora, a visita que vim ter o gosto de fazer é a melhor resposta que lhe posso dar.

D. Carolina tinha os olhos em um livro de música, mas seus ouvidos e sua atenção pendiam dos lábios de Augusto; ouvindo as últimas palavras do estudante, ela sorriu brandamente.

- De que estás rindo, Carolina? perguntou Filipe.

- De um engraçado pedacinho da cavatina do Fígaro, no Barbeiro de Sevilla.

Então ele examinou o livro e viu que havia mentido, porque o que tinha diante de seus olhos era uma coleção de modinhas do Laforge.

Duas horas depois serviu-se o almoço. Mas, durante essas duas horas, que se passaram muito depressa, Augusto teve de agradecer as obsequiosas atenções da avó de Filipe, que dizia ter por ele notável predileção, e também de reparar com esmero e minuciosidade no objeto de seus recentes cultos.

Em resultado de suas observações concluiu que D. Carolina estava bonita como dantes, porém, mais lânguida; que às vezes reparava suas indiscrições e que outras, quando mais parecia ocupar-se com seus alegres trabalhos, olhava-o furto, com uma certa expressão de receio, pejo e ardor, que a embelecia ainda mais.

Durante o almoço a conversação divagou sobre inúmeros objetos; finalmente teve de ir bulir com um pobre lencinho que estava na mão de D. Carolina, e que, se aí não estivesse, passaria desapercebido.

- Eu julgo que ele está trabalhoso e perfeitamente marcado, disse Augusto.

- É ir muito longe, respondeu a menina; aí o tem, observe-o de mais perto; repare que barafunda vai por aqui.

- Ora, eu acho tudo o melhor possível; ao muito, poder-se-ia dizer que este X foi marcado por mão de moça travessa.

- Quer dizer que foi pela minha? Adivinhou.

- Tem uma bela prenda, minha senhora.

- Que é muito comum.

- E nem por isso merece menos.

- Eu não entendo assim; aprecio bem pouco o que todo o mundo pode ter. Quem não sabe marcar?

- Eu, minha senhora.

- É porque não quer.

- É porque não posso; eu não me poderia haver com uma agulha na mão.

- Um dia de paciência lhe seria suficiente.

- Querem ver, acudiu Filipe, que minha maninha reduz Augusto a aprender a marcar!

- Então, seria isso alguma asneira?

- Não, por certo; maninha pode mesmo dar-te algumas lições.

- Nada, respondeu a menina; sou muito raivosa e à primeira linha que ele rebentasse, eu o

chamaria a bolos.

- Se é uma condição que oferece, eu a aceito, minha senhora; ensine-me com palmatória.

- Veja o que diz!...

- Repito-o.

- Pois bem; palmatória não, porque, enfim, podia doer-lhe muito; mas de cada vez que eu julgar necessário, dar-lhe-ei um puxão de orelha.

- Menina! disse a Sra. D. Ana.

- Mas, minha avó, eu não estou pedindo a ele que venha aprender comigo.

- Porém podes ensinar-lhe com bons modos.

- É o que pretendo fazer.

- Ele há de aproveitar muito.

- Terá os meus elogios.

- E se por acaso errar alguma vez?

- Levará um puxão de orelha.

- Se me é permitido, disse Augusto, aceito as condições.

- Pois bem, respondeu D. Carolina, está o senhor matriculado na minha aula de marcar e daqui a uma hora principiaremos a nossa lição.

- E então ele não passeia comigo? perguntou Filipe.

- Depois da lição, respondeu a mestra, fazendo-se de grave; antes, não lhe dou licença.

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