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Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

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Eles se sorriram, mas Filipe acaba de chegar e todos três vão pela avenida se dirigindo a casa.

Ter a ventura de receber o braço de uma moça bonita e a quem se ama, apreciar sobre si o doce contato de uma bem torneada mão, que tantas noites se tem sonhado beijar; roçar às vezes com o cotovelo um lugar sagrado, voluptuoso e palpitante; sentir sob sua face perfumado bafo que se esvaiu dentre os lábios virginais e nacarados, cujo sorrir se considera um favor do céu; o apanhar o leque que escapa da mão que estremeceu, tudo isso... mas para que divagações? que mancebo há aí, de dezesseis anos por diante, que não tenha experimentado esses doces enleios, tão leves para a reflexão e tão graves e apreciáveis para a imaginação de quem ama? Pois bem, Augusto os está gozando neste momento; mas, porque só a ele é isto de grande entidade, e convém dizer apenas o que absolutamente se faz preciso, pode-se, sem inconveniente, abreviar toda a história de duas horas, dizendo-se: almoçaram e chegou a hora da lição.

- Vamos, disse D. Carolina a Augusto, que estava já sentado a seus pés e em sua banquinha; vamos, meu aprendiz, o senhor comprometeu-se a trazer-me um nome marcado pela sua mão; que nome marcou?

- Entendi que devia ser o nome da minha bela mestra.

Ela não esperava outra resposta.

- Vamos, pois, ver a sua obra, continuou, e creia que estou pouco disposta a perdoar-lhe, como fiz na lição passada. Venha a marca.

Augusto apresentou então um finíssimo lenço aos olhos da sua bela mestra, que teve de ler em cada ângulo dele o nome Carolina e no centro o dístico Minha bela mestra. Tudo estava primorosamente trabalhado; preciso é confessar: o aprendiz havia marcado melhor do que nunca o tivera feito D. Carolina.

Augusto esperava com ansiedade ver brilhar nos olhos de sua bonita querida o prazer da gratidão; fruía já de antemão o terno agradecimento com que contava, quando viu, com espanto, que sua bela mestra ia gradualmente corando e por fim se fez vermelha de cólera e de despeito.

- Nunca a mão grosseira de um homem poderia marcar assim!... disse ela a custo.

- Mas, minha bela mestra...

- Eu quero saber quem foi! exclamou com força.

- Eu não entendo...

- Foi uma mulher! isso não carece que me diga. Uma moça que lhe marcou este lenço para o senhor vir zombar e rir-se de mim, de minha credulidade, de tudo...

- Minha senhora...

- Vejam!... já nem me quer chamar sua mestra!... agora só sabe dizer “minha senhora!”...

A interessante jovem acabava de ser inesperadamente assaltada de um acesso de ciúme. Augusto

estava espantado e a Sra. D. Ana, levantando os olhos ao escutar a última exclamação de sua neta, viu-a correndo para ela.

- Que é isto menina? perguntou.

- Veja, minha querida avó: aqui está a marca que ele me traz! Eu queria um nome muito mal feito, uma barafunda que se não entendesse, o pano suado e feio, tudo mau, tudo péssimo; eu me riria com ele. Sabe, porém, o que fez? foi para a Corte tomar outra mestra, que não há de ter a minha paciência, nem o meu prazer, mas que marca melhor que eu, que é mais bonita!... veja, minha querida avó; ele tem outra mestra, outra bela mestra!...

E dizendo isto, ocultou o rosto no seio da extremosa senhora e começou a soluçar.

- Que loucura é essa, menina? que tem que ele tomasse outra mestra? pois por isso choras assim?

- Mas nem me quer dizer o nome dela!... Que me importa que seja moça ou bonita? nada tenho com isso, porém, quero saber-lhe o nome, só o nome!...

Então ela ergueu-se e, com os olhos ainda molhados, com a voz entrecortada, mas com toda a beleza da dor e delírio do ciúme, voltou-se para Augusto e perguntou:

- Como se chama ela?

- Juro que não sei.

- Não sabe?...

- Quis trazer um lenço bem marcado para ostentar meus progressos e motivar alguns gracejos e mandei-o encomendar a uma senhora muito idosa, que vive destes trabalhos.

- Muito idosa?...

- É verdade.

- Não lhe deram este lenço?

- Paguei-o.

- Pois eu o rasgo...

- Pode o fazer.

- Ei-lo em tiras.

- Que fazes, Carolina? exclamou a Sra. D. Ana, querendo, já tarde, impedir que sua neta rasgasse o lenço.

- Fez o que cumpria, minha senhora, acudiu Augusto: exterminou o mau gênio que acabava de fazê-la chorar.

- E que importa que eu rasgasse um lenço? minha querida avó, peço-lhe licença para dar um dos meus ao Sr. Augusto.

A Sra. D. Ana, que começava a desconfiar da natureza dos sentimentos da mestra e do aprendiz, julgou a propósito não dar resposta alguma, mas nem isso desnorteou a viva mocinha que, tirando de sua cesta de costura um lenço recentemente por ela marcado, o ofereceu a Augusto, dizendo:

- Eu não admito uma só desculpa, não desejo ver a menor hesitação; quero que aceite este lenço.

Augusto olhou para a Sra. D. Ana, como para ler-lhe n’alma o que ela pensava daquilo.

- Pois rejeita um presente de minha neta? perguntou a amante avó.

A resposta de Augusto foi um beijo na prenda de amor.

- Agora, que já estamos bem, disse ele, vamos à minha lição.

- Não, não, respondeu a bela mestra, basta de marcar; não me saí bem do magistério, chorei diante do meu aprendiz, não falemos mais nisto.

- Então fui julgado incapaz de adiantamento?

- Ao contrário, pelo trabalho que me trouxe, vi que o senhor estava adiantado demais; porém, sou eu quem tem outros cuidados.

- Já tem cuidados?...

- Quem é que deles não carece?... O pai de família tem os filhos, o senhor os seus livros e eu, que sou criança, tenho as minhas bonecas. Quer vê-las?

- Com o maior prazer.

Um momento depois a sala estava invadida por uma enorme quantidade de bonecas, cada uma das quais tinha seus parentes, seus vestidos, jóias e um número extraordinário de bugiarias, como qualquer moça da moda as tem no seu toucador.

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