O dia de sexta-feira trouxe ainda algumas novidades à ilha de... A Sra. D. Ana recebeu cartas que a tornaram talvez menos triste, mas sem dúvida muito pensativa. A presença da linda neta parecia alentar mais essas reflexões, que se prolongaram até a tarde do dia seguinte, em que um velho e particular amigo de sua família veio da Corte visitá-la e com a respeitável senhora ficou duas horas conferenciando a sós.
Esse homem despediu-se, enfim, da Sra. D. Ana, deixando-a cheia de prazer; e, no momento em que saltava dentro do seu batel, vendo a interessante Moreninha que tristemente passeava à borda do mar, saudou-a com esta simples palavra, apontando para o céu:
- Esperança!
D. Carolina levantou a cabeça e viu que já o batel cortava as ondas, mas, como para corresponder a tão animador cumprimento, ela, por sua vez, apontou também para o céu, e pondo a outra mão no lugar do coração disse:
- Esperarei!
23
A Esmeralda e o Camafeu
Dona Carolina passou uma noite cheia de pena e de cuidados, porém já menos ciumenta e despeitada; a boa avó livrou-a desses tormentos; na hora do chá, fazendo com habilidade e destreza cair
a conversação sobre o estudante amado, disse:
- Aquele interessante moço, Carolina, parece pagar-nos bem a amizade que lhe temos, não entendes assim?...
- Minha avó... eu não sei.
- Dize sempre, pensarás acaso de maneira diversa?...
A menina hesitou um instante, e depois respondeu:
- Se ele pagasse bem, teria vindo domingo.
- Eis uma injustiça, Carolina. Desde sábado à noite que Augusto está na cama, prostrado por uma enfermidade cruel.
- Doente?! exclamou a linda Moreninha, extremamente comovida. Doente?... em perigo?...
- Graças a Deus, há dois dias ficou livre dele; hoje já pôde chegar à janela, assim me mandou dizer Filipe.
- Oh! pobre moço!... se não fosse isso teria vindo ver-nos!...
E, pois, todos os antigos sentimentos de ciúme e temor da inconstância do amante se trocaram por ansiosas inquietações a respeito de sua moléstia.
No dia seguinte, ao amanhecer, a amorosa menina despertou e, buscando o toucador, há uma semana esquecido, dividiu seus cabelos nas duas costumadas belas tranças, que tanto gostava de fazer ondear pelas espáduas, vestiu o estimado vestido branco e correu para o rochedo.
- Eu me alinhei, pensava ela, porque, enfim... hoje é domingo e talvez... Como ontem já pôde chegar à janela, talvez consiga com algum esforço vir ver-me.
E quando o sol começou a refletir seus raios sobre o liso espelho do mar, ela principiou também a cantar sua balada:
“Eu tenho quinze anos,
E sou morena e linda”
Mas, como por encanto, no instante mesmo em que ela dizia no seu canto:
“Lá vem sua piroga
Cortando leve os mares”
um lindo batelão apareceu ao longe, voando com asa intumescida para a ilha.
Com força e comoção desusadas bateu o coração a D. Carolina, que calou-se para só empregar no batel que vinha atentas vistas, cheias de amor e de esperança. Ah! era o batel suspirado.
Quando o ligeiro barquinho se aproximou suficientemente, a bela Moreninha distinguiu dentro dele Augusto, sentado junto de um respeitável ancião, a quem não pôde conhecer; então, ela vendo que chegavam à praia, fingiu não tê-los sentido e continuou sua balada:
“Enfim, abica à praia
Enfim, salta apressado...”
Augusto, com efeito, saltava nesse momento fora do batel, e depois deu a mão a seu pai, para ajudá-lo a desembarcar; e D. Carolina, que ainda não mostrava dar fé deles, prosseguiu seu canto, até que, quando dizia:
“Quando há de ele correr
Somente pra me ver...”
sentiu que Augusto corria para ela. Prazer imenso inundava a alma da menina, para que possa ser descrito; como todos prevêem, a balada foi nessa estrofe interrompida e D. Carolina, aceitando o braço do estudante, desceu do rochedo e foi cumprimentar o pai dele.
Ambos os amantes compreenderam o que queria dizer a palidez de seus semblantes e os vestígios de um padecer de oito dias; guardaram silêncio; não tiveram uma palavra para pronunciar; tiveram só olhares para trocar e suspiros a verter. E para que mais?...
A Sra. D. Ana recebeu com sua costumada afabilidade o pai de Augusto e abraçou a este com ternura. Ao servir-se o almoço, ela lhe perguntou:
- Por que não veio o meu neto?
- Ficou para vir mais tarde, com os nossos dois amigos Leopoldo e Fabrício.
- Então teremos um excelente dia.
- Eu o espero.
Uma hora depois o pai de Augusto e a Sra. D. Ana conferenciavam a sós, e os dois namorados achavam-se, defronte um do outro, no vão de uma janela.
E eles continuavam no silêncio, mas olhavam-se com fogo.
Augusto parecia querer comunicar alguma coisa bem extraordinária à sua interessante amada, porém sempre estremecia ao entreabrir os lábios.
E D. Carolina, cônscia já de sua fraqueza, e como lembrando-se dos pesares que tinha sofrido, não sabia mais servir-se de seus sorrisos com a malícia do tempo da liberdade e mostrava-se esquecida de seu viver de alegrias e travessuras.
Alguma grande resolução obrigava o moço a estar silencioso, como tremendo pelo êxito dela?...
No fim de muito tempo eles haviam conseguido dizer-se:
- O mar está bem manso.
- O dia está sereno.