- Mas a desordem é hoje a moda! o belo está no desconcerto; o sublime no que se não entende; o feio é só o que podemos compreender: isto é romântico; queira ser romântica, vamos ao meu futuro.
- Pois bem, vamos ao vosso futuro. Principiarei, como pretendia fazer, se falasse do presente de vossa vida, dizendo-vos que vós não sois inconstante como afetais.
- Misericórdia!
- Mas que estais a ponto de o ser: digo-vos que perdereis uma certa aposta que fizestes com três estudantes.
- Como é isso? Então a senhora sabe...
- A fada, que me revelou isso, leu a termo na carteira de quem o guardou.
- A fada? sim, a feiticeira o leu... Compreendo.
- Vós não sois inconstante, porque tendes até hoje cultivado com religioso empenho o amor de vossa mulher; mas vós ides ser, porque não longe está o dia em que a esquecereis por outra.
- A culpa será dos olhos dessa outra; porém, quem sabe?...
- Desejo que não; contudo, eu já vos vejo em princípio e temo que vades ao fim; sereis perjuro, tereis de escrever um romance e perdoai-me se vos desejo este mal: eu quisera que ao pé de meu irmão, que vos apresentará o termo da aposta, aparecesse a vossos olhos a mulher traída. Do vosso futuro eis quanto me disse a fada.
- E disse bastante para me confundir.
- Quereis que vos fale agora de vosso presente?
- Oh, se quero! No presente está a minha glória.
- Ontem, no baile, dissestes palavras de ternura pelo menos a seis senhoras.
- Esta agora é melhor! e quem o pôde notar?
- Provavelmente a fada vos observava.
- Então a fada, a feiticeira fazia isso?
- Depois do baile puseram-vos duas cartas no bolso.
- Que mãos delicadas...
- Não mo sabe dizer a fada; porém, vós viestes para esta gruta acudindo a um convite e fingistes adivinhar segredos de corações. Não era verdade: a fada nada vos revelou; o que dissestes sabíeis antes e a fada me disse como.
- Explique-me, pois, minha senhora.
- Quando involuntariamente fui causa de vos entornarem café nas calças, vós fostes mudar de roupa e entrastes para o gabinete das senhoras; lá ouvistes tudo o que afetastes adivinhar há pouco.
- E quem me viu entrar?
- A fada, sem dúvida. O cravo de D. Quinquina fostes vós que recebestes no jardim; na noite dos jogos de prendas, fostes vós ainda quem, com uma luz na mão, procurou e achou a trança de cabelos de D. Clementina, embaixo da quarta roseira da rua que vai para o caramanchão.
- Mas quem observou o que eu fiz às escondidas e com tanto cuidado?
- A fada, que, segundo penso, vos tem sempre seguido com os olhos.
- A fada?!... a feiticeira me segue sempre com os olhos?!... Oh! como sou feliz!... a feiticeira é a senhora!
- Senhor! sois pouco modesto; que me importariam vossos passos e vossas ações?...
- Perdão! perdão!... eu sou um tresloucado... um incivil... um doido... não sei o que faço, nem o que digo; mas continue...
- Basta! vós duvidastes da fada e por isso eu termino aqui.
- Não! não, minha senhora! é preciso dizer-me mais alguma cousa ainda!... por força a fada lhe deveria ter revelado! ela, que adivinha tudo o que está dentro do meu coração, digo o que ainda se passa nele.
- Nada mais de disse.
- Beba outro copo d’água...
- Não julgo necessário.
- Pois então...
- Cumpre retirar-me.
- Não, por certo! perdoe-me minha senhora, mas eu devo descobrir todos os meus segredos a quem conhece tão boa parte deles.
- Eu me contento com o pouco que sei.
- Ouça uma só palavra...
- Não sou curiosa.