Filipe, a respeito da perda de certo objeto...
- Sr. Augusto!...
- Senhora, foi a fada desta misteriosa fonte quem vos roubou um precioso embrulho que continha uma trança de vossos cabelos e que deveria ser achado embaixo da quarta roseira da rua que vai ter ao caramanchão, e essa trança pára, hoje, em minhas mãos, ei-la aqui...
- Oh! dê-ma.
- Não preferis antes que eu a entregue ao feliz para quem a destináveis?
- Não, eu lhe peço que ma dê.
- Eu estou pronto a obedecer-vos, senhora, mas só na hora de minha partida. Vós quatro queríeis zombar de mim; não concebo até onde iria a vossa vingança; preciso de reféns que assegurem a paz entre nós; estes são meus; quereis saber mais alguma coisa?
- Eu já sei que o senhor sabe demais!
- Então...
- Quer, como as duas primeiras, oferecer-me a mão e obrigar-me a desamparar o campo?
- Venceu, senhor, e sou eu que lhe peço que me acompanhe até à porta da gruta.
- Eu estou pronto, senhoras, para servir-vo em tudo.
Só restava D. Joaninha, era a vez dela.
- Eu vos deixei para o fim, disse Augusto, porque a vós é que eu mais admiro, porque vós sois exatamente a única dentre elas que tem amado melhor e que mais infeliz tem sido, eu vos explicarei isto. Sois, todavia, um pouco excessiva em exigências...
- Que quer dizer, Sr. Augusto?
- Que quereis muito, quando ordenais a um estudante que vos escreva quatro vezes por semana, pelo menos; que passe por defronte de vossa casa quatro vezes por dia; que vá a miúdo ao teatro e aos bailes que freqüentais, e até que não fume charutos de Havana nem de Manilha, por ser falta de patriotismo.
- Quem lhe disse isso, senhor!?
- A fada, senhora, que sabe que amais a um moço, a quem dais a honra de chamar querido primo.
- É uma vil traição!
- Exatamente diz o mesmo a nossa boa fada, e ainda mais, senhora: quer que eu vos aconselhe a que desprezeis esse jovem infiel, que não sabe pagar o vosso amor: eu poderia dar-vos provas...
- Não as tenho eu bastante, exclamou D. Joaninha com sentimento, quando lhe ouço repetir o que deveria ser sabido dele e de mim somente?
Augusto ia falar; ela o interrompeu.
- Senhor, eu agradeço o benefício que recebi; o senhor quis zombar de mim, como das outras,
mas não o fez; ao contrário, atalhou em princípio uma grande enfermidade, que, talvez, fosse daqui a pouco tempo incurável! Eu galanteio também às vezes, porém, sei amar até o extremo. Adeus, senhor!
eu posso apenas agradecer-lhe, dizendo que tenho tanta confiança na sua discrição e no seu caráter, que nem mesmo lhe recomendo o cuidado do meu segredo.
D. Joaninha ia deixar a gruta; Augusto lhe ofereceu o braço.
- Agradecida, disse ela; permita que eu entre só em casa.
Augusto ficou só. Esteve alguns momentos lembrando-se da cena que acabava de ter lugar; finalmente disse, soltando uma risada:
- Vieram buscar lã e saíram tosquiadas!
E já estava para pôr o pé fora da gruta, quando uma voz branda e sonora o suspendeu, dizendo:
- Agora, Sr. Augusto, é chegada a sua vez...
18
Achou Quem o Tosquiasse
Escutando aquelas inesperadas palavras que o chamavam para a mesma posição em que ele tinha colocado as quatro moças, Augusto voltou-se de repente e viu no fundo da gruta a interessante Moreninha, que enchia o copo de prata.
- Minha senhora!... balbuciou o estudante, confuso.
D. Carolina respondeu-lhe primeiro com o seu costumado sorriso, e depois assim:
- Não se dirá que um homem zombou impunemente de quatro senhoras; uma outra toma o cuidado de vingá-las. Sr. estudante, eu também sou adepta ao culto desta fada e vou invocá-la em meu auxílio.
A menina travessa bebeu em seguida a estas palavras o seu copo d’água e depois, imitando o estilo de Augusto, que se achava junto dela, disse:
- Quereis que vos fale do passado, do presente ou do futuro?
- De todas essas épocas... ao menos para ouvir por mais tempo os vaticínios e palavras de tão amável Sibila.
- Pois então principiemos pelo passado. Oh! que belas revelações me fez a fada! Sim, eu estou lendo no livro da vossa vida, estou vendo tudo, estou dentro do vosso espírito e de vosso coração!
- Oh! sim, eu juro que isso é verdade, atalhou o estudante.
A menina fingiu não entender a alusão e continuou:
- Senhor, vós amastes muito cedo... creio... sim, foi de idade de treze anos.
Augusto recuou um passo; ela prosseguiu:
- Amastes, sim, a uma menina de sete anos, com quem brincastes à borda do mar.
- E quem era ela? como se chamava? perguntou Augusto com fogo, talvez pensando que D.
Carolina estava, com efeito, adivinhando e podia dizer-lhe o que ele mesmo ignorava.
- Posso eu sabê-lo? respondeu a Moreninha; a fada só me diz o que se passou em vosso coração e vós, por certo, que também não sabeis quem era essa menina e só a conheceis pelo nome de minha mulher.
- Prossiga, minha senhora!