"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » » "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Select the language in which you want the text you are reading to be translated, then select the words you don't know with the cursor to get the translation above the selected word!




Go to page:
Text Size:

- Menino, respondeu com mau humor, tome o meu conselho: outro ofício; o senhor não nasceu para médico.

- Sinto ter desmerecido o agrado de V. S. por tão insignificante motivo. Rogo-lhe que me desculpe, mas eu julguei dever dizer o que entendia.

Isto dizendo, o estudante ergueu-se; a velha já não fez o menor movimento para o demorar, e vendo-o deixá-la, disse em tom profético:

- Este não nasceu para Medicina!

Mas Augusto, afastando-se de D. Violante, dava graças ao poder do seu diagnóstico e augurava muito bem de seu futuro médico, pela grande vitória que acabava de alcançar.

- Agora, sim, disse ele com os seus botões, vou recuperar o tempo perdido. E procurava uma cadeira, cuja vizinhança lhe conviesse.

A digna hóspede compreendeu perfeitamente os desejos do estudante, pois, mostrando-lhe um

lugar junto de sua neta, disse:

- Aquela menina lhe poderá divertir alguns instantes.

- Mas, minha avó, exclamou a menina com prontidão, até o dia de hoje ainda não me supus boneca.

- Menina!...

- Contudo, eu serei bem feliz se puder fazer com que o senhor... senhor...

- Augusto, minha senhora.

- ... o Sr. Augusto passe junto a mim momentos tão agradáveis, como lhe foram as horas que gozou ao pé da Sra. D. Violante.

Augusto gostou da ironia, e já se dispunha a travar conversação com a menina travessa, quando Fabrício se chegou a eles e disse a Augusto:

- Tu me deves dar uma palavra.

- Creio que não é preciso que seja imediatamente.

- Se a Sra. D. Carolina o permitisse, eu estimaria falar-te já. Por mim não seja... disse a menina erguendo-se.

- Não, minha senhora, eu o ouvirei mais tarde, acudiu Augusto, querendo retê-la.

- Nada... não quero que o Sr. Fabrício me olhe com maus olhos... Além de que, eu devo ir apressar o jantar, pois leu no seu rosto que a conversação que teve com a Sra. D. Violante, quando mais não desse, ao menos produziu-lhe muito apetite... mesmo um apetite de... de...

- Acabe.

- De estudante.

E mal o disse, a travessa moreninha correu para fora da sala.

4

Falta de Condescendência

Fabrício acaba de cometer um grave erro e que para ele será de más conseqüências. Quem pede e quer ser servido, deve medir bem o tempo, o lugar e as circunstâncias, e Fabrício não soube conhecer que o tempo, o lugar e as circunstâncias lhe eram completamente desfavoráveis. Vai exigir que Augusto o ajude a forjar cruel cilada contra uma jovem de dezessete anos, cujo único delito é ter sabido amar o ingrato com exagerado extremo. Ora, para conseguir semelhante torpeza, preciso seria que Fabrício aproveitasse um momento de loucura, um desses instantes de capricho e de delírio em que Augusto pensasse que ferir a fibra mais sensível e vibrante do coração da mulher, a fibra do amor, não é um crime, não é pelo menos louca e repreensível leviandade; é apenas perdoável e interessante divertimento de rapazes; e nessa hora não podia Augusto raciocinar tão indignamente. Ainda quando não houvesse nele muita generosidade, estava para desarmá-lo o poder indizível da inocência, o poderoso magnetismo de vinte olhos belos como o planeta do dia, a influência cativadora da formosura em botão, de beleza virgem ainda, de uma anjo, enfim, porque é símbolo de um anjo a virgindade de uma jovem bela.

Mas Fabrício olvidou tudo, e mal, sem dúvida, terá de sair de seu empenho com tantas contrariedades; o tempo não lhe é propício, porque Augusto começa a sentir todos os sintomas de apetite devorador. Ora, um rapaz, e principalmente um estudante com fome, se aborrece de tudo, principalmente do que lhe cheira a maçada. O lugar não menos lhe era desfavorável, porque, diante de um ranchinho de belas moças, quem poderá tramar contra o sossego delas?... Então Augusto, dos tais que por semelhante povo são como formiga por açúcar, macaco por banana, criança por campainha... e ele tem razão! Por último, as circunstâncias também contrariavam Fabrício, pois a Sra. D. Violante

havia tido o poder de esgotar toda a elástica paciência do pobre estudante, que não acharia nem mais uma só dose homeopática desse tão necessário confortativo para despender com o novo macista.

Fabrício tomou, pois, o braço de Augusto e ambos saíram da sala: este com vivos sinais de impaciência, e o primeiro com ares de quem ia tratar importante negócio.

A inocente D. Joaninha os acompanhou com os olhos e riu-se brandamente, encontrando os de Fabrício, que teve ainda bastante audácia para fingir um sorriso de gratidão.

Eles se dirigiram ao gabinete do lado direito da sala, o qual fora destinado para os homens; e entrando, fechou Fabrício a porta sobre si, para se achar em toda a liberdade. Enfim, estavam sós.

Voltados um para o outro, guardaram alguns momentos de silêncio. Foi Augusto quem teve de rompê-lo.

- Então, ficamos a jogar o siso?

- Espero a tua resposta, disse Fabrício.

- Ainda me não perguntaste nada, respondeu o outro.

- A minha carta?...

- Eu a li, sim... tive a paciência de lê-la toda.

- E então?...

- Então o quê, homem?...

- A resposta?...

- Aquilo não tem resposta.

- Ora, deixa-te disso; vamos mangar com a moça.

- Tu estás doido, Fabrício?

- Por tua culpa, Augusto.

- Pois então cuidas que o amor de uma senhora deve ser peteca com que se divirtam dois estudantes?...

- Quem é que te fala em peteca?... Pelo contrário, o que eu quero é desgrudar-me do fatal contrabando.

- Não; a pesar teu, deves respeitar e cultivar nobre sentimento que te liga a D. Joaninha. Que se diria do teu procedimento, se depois de trazeres uma moça toda cheia de amor e fé na tua constância, por espaço de três meses, a desprezasses sem a menor aparência de razão, sem a mais pequena desculpa?...

- Então tu, com o teu sistema de...

- Eu desengano: previno a todas que minhas paixões têm apenas horas de vida, e tu, como os outros, juras amor eterno.

- Estou desconhecendo-te, Augusto. Sempre te achei com juízo e bom conceito e agora temo muito que estejas com princípios de alienação mental. Explica-me, por quem és, que súbito acesso de moralidade é esse que tanto te perturba.

Are sens