"Unleash your creativity and unlock your potential with MsgBrains.Com - the innovative platform for nurturing your intellect." » » "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

Select the language in which you want the text you are reading to be translated, then select the words you don't know with the cursor to get the translation above the selected word!




Go to page:
Text Size:

- Isso, Fabrício, chama-se inspiração de bons costumes.

- Bravo! bravo! foi muito bem respondido, mas, palavra de honra, que tenho dó te ti! Vejo que em matéria da natureza de que tratamos estás tão atrasado como eu em fazer sonetos. Apesar de todo o teu romantismo ou, talvez, principalmente por causa dele, não vês o que se passa a duas polegadas do nariz. Pois meu amigo, quero te dizer: a teoria do amor do nosso tempo aplaude e aconselha o meu procedimento; tu verás que eu estou na regra, porque as moças têm ultimamente tomado por mote de todos os seus apaixonados extremos ternos afetos e gratos requebros, estes três infinitos de verbos: -

iscar, pescar e casar. Ora, bem vês que, para contrabalançar tão parlamentares e viciosas disposições, nós, os rapazes, não podíamos deixar de inscrever por divisa em nossos escudos os infinitos destes três outros verbos: fingir, rir e fugir. Portanto, segue-se que estou encadernado nos axiomas da ciência.

- Com efeito!... Não te supunha tão adiantado!

- Pois que dúvida? Para viver-se vida boa e livre é preciso andar com o olho aberto e pé ligeiro.

Então as tais sujeitinhas que, com a facilidade e indústria com que a aranha prende a mosca na teia, são capazes de tecer de repente, com os olhares, sorrisos, palavrinhas doces, suspiros a tempo, medeixes aproximando-se, zelos afetados e arrufos com sal e pimenta, uma armadilha tão emaranhada que, se o papagaio é tolo e não voa logo, mete por força o pé no laço e adeus minhas encomendas, fica de gaiola para todo o resto de seus dias... E, portanto, meu Augusto, deixa-te de insípidos escrúpulos e ajuda-me a sair dos apuros em que me vejo.

- Torno a dizer-te que estás doido, Fabrício, pois que me acreditas capaz de servir de instrumento para um enredo... uma verdadeira traição. Então, que pensas?... Eu reqüestaria D. Joaninha, não é assim?... Tu a deixavas, fingindo ciúmes, e depois quem me livraria dos apertos em que necessariamente tinha de ficar?...

- Ora, isso não te custava cinco minutos de trabalho. Tu... inconstante por índole e por sistema.

- Fabrício, deixa-te de asneiras; já que te meteste nisso, avante! Além de que, D. Joaninha é um peixão.

- Oh! oh! oh!... uma desenxabida...

- Que blasfêmia!

- Além disso é impossível... não posso suportar o peso: escrever quatro cartas por semana... Isto só! o talento que é preciso para inventar asneiras e mentiras dezesseis vezes por mês! e depois, o Tobias...

- Puxa-lhe as orelhas.

- Como?... se ele é a cria de D. Joaninha, o alfenim da casa, o S. Benedito da família!...

- Não sei, meu amigo, arranja-te como puderes.

- Lembra-te que foste a causa principal de tudo isso.

- Quem, eu?... eu apenas te disse que não sabias o gosto que tinha o amor à moderna.

- Pois bem, saí do meu elemento, fui experimentar a paixão romântica... aí a tens!... a tal paixãozinha me esgotou já paciência, juízo e dinheiro. Não a quero mais.

- Tu sempre foste um papa-empadas.

- Sim, e há dois meses que não sei o que é o cheiro delas. Anda, meu Augustozinho, ajuda-me!

- Não posso e não devo.

- Vê lá o que dizes!

- Tenho dito.

- Augusto!

- Agora digo mais que não quero.

- Olha que te hás de arrepender!

- Esta é melhor!... pretendes meter-me medo?...

- Eu sou capaz de vingar-me.

- Desafio-te a isso.

- Desacredito-te na opinião das moças.

- É um meio de tornar-me objeto de suas atenções. Peço-te que o faças.

- Descubro e analiso o teu sistema de iludir a todas.

- Tornar-me-ás interessante a seus olhos.

- Direi que és um bandoleiro.

- Melhor, elas farão por tornar-me constante.

- Mostrarei que a tua moral a respeito de amor é a pior possível.

- Ótimo!... elas se esforçarão por fazê-la boa.

- Hei de, nestes dois dias, atrapalhar-te continuamente.

- Bravo!... não contava divertir-me tanto!

- Então tu teimas no teu propósito?...

- Pois, se é precisamente agora que estou vendo os bons resultados que ele me promete!

- Portanto, estes dois dias, guerra!

- Bravíssimo, meu Fabrício; guerra!

- Antecipo-te que meu primeiro ataque terá lugar durante o jantar.

- Oh! por milhares de razões, tomara eu que chegasse a hora dele!...

- Augusto, até o jantar!

- Fabrício, até o jantar!

Neste momento Filipe abriu a porta do gabinete e, dirigindo-se aos dois, disse:

- Vamos jantar.

5

Are sens