- Mas... minha senhora... eu ainda não sou médico e só no caso de urgente necessidade me atreveria...
- Eu tenho inteira confiança no senhor; me parece que é o único capaz de acertar com a minha enfermidade.
- Mas ali está um estudante do sexto ano...
- Eu quero o senhor mesmo.
- Pois, minha senhora, eu estou pronto para ouvi-la: porém julgo que o tempo e o lugar são poucos oportunos.
- Nada... há de ser agora mesmo.
Ah!... A boa da velha falou e tornou a falar. Eram duas horas da tarde e ela ainda dava conta de todos os seus costumes, de sua vida inteira; enfim, foi uma relação de comemorativos como nunca mais ouvirá o nosso estudante. Às vezes Augusto olhava para seus companheiros e os via alegremente praticando com as belas senhoras que abrilhantavam a sala, enquanto ele se via obrigado a ouvir a mais insuportável de todas as histórias. Daqui e de certos fenômenos que acusava a macista, nasceu-lhe o desejo de tomar uma vingançazinha. Firme neste propósito, esperou com paciência que D. Violante fizesse ponto final bem determinado a esmagá-la com o peso do seu diagnóstico e ainda mais com o tratamento que tencionava prescrever-lhe.
Às duas horas e meia a oradora terminou o seu discurso, dizendo:
- Agora quero que, com toda a sinceridade, me diga se conhece a minha enfermidade e o que devo fazer.
- Então V. S. dá-me licença para falar com toda a sinceridade?
- Eu o exijo.
- Pois, minha senhora, atendendo tudo quanto ouvi e principalmente a estes últimos incômodos, que tão a miúdo sofre, e de que mais se queixa, como tonteiras, dores no ventre, calafrios, certas dificuldades, esse peso dos lombos, etc., concluo e todo o mundo médico concluirá comigo, que V. S.
padece de...
- Diga... não tenha medo.
- Hemorróidas
D. Violante fez-se vermelha como um pimentão, horrível como a mais horrível das fúrias, encarou o estudante com despeito, e, fixando nele seus tristíssimos olhos furta-cores, perguntou:
- O que foi que disse, senhor?...
- Hemorróidas, minha senhora.
Ela soltou uma risada sarcástica.
- V. S. quer que lhe prescreva o tratamento conveniente?
- Menino, respondeu com mau humor, tome o meu conselho: outro ofício; o senhor não nasceu para médico.
- Sinto ter desmerecido o agrado de V. S. por tão insignificante motivo. Rogo-lhe que me desculpe, mas eu julguei dever dizer o que entendia.
Isto dizendo, o estudante ergueu-se; a velha já não fez o menor movimento para o demorar, e vendo-o deixá-la, disse em tom profético:
- Este não nasceu para Medicina!
Mas Augusto, afastando-se de D. Violante, dava graças ao poder do seu diagnóstico e augurava muito bem de seu futuro médico, pela grande vitória que acabava de alcançar.
- Agora, sim, disse ele com os seus botões, vou recuperar o tempo perdido. E procurava uma cadeira, cuja vizinhança lhe conviesse.
A digna hóspede compreendeu perfeitamente os desejos do estudante, pois, mostrando-lhe um
lugar junto de sua neta, disse:
- Aquela menina lhe poderá divertir alguns instantes.
- Mas, minha avó, exclamou a menina com prontidão, até o dia de hoje ainda não me supus boneca.
- Menina!...
- Contudo, eu serei bem feliz se puder fazer com que o senhor... senhor...
- Augusto, minha senhora.
- ... o Sr. Augusto passe junto a mim momentos tão agradáveis, como lhe foram as horas que gozou ao pé da Sra. D. Violante.
Augusto gostou da ironia, e já se dispunha a travar conversação com a menina travessa, quando Fabrício se chegou a eles e disse a Augusto:
- Tu me deves dar uma palavra.
- Creio que não é preciso que seja imediatamente.
- Se a Sra. D. Carolina o permitisse, eu estimaria falar-te já. Por mim não seja... disse a menina erguendo-se.
- Não, minha senhora, eu o ouvirei mais tarde, acudiu Augusto, querendo retê-la.
- Nada... não quero que o Sr. Fabrício me olhe com maus olhos... Além de que, eu devo ir apressar o jantar, pois leu no seu rosto que a conversação que teve com a Sra. D. Violante, quando mais não desse, ao menos produziu-lhe muito apetite... mesmo um apetite de... de...