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Add to favorite "A Moreninha" - Joaquim Manuel de Macedo

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Todavia, eu a ninguém escondo os sentimentos que ainda há pouco mostrei, e em toda a parte confesso que sou volúvel, inconstante e incapaz de amar três dias um mesmo objeto; verdade seja que nada há mais fácil do que me ouvirem um “eu vos amo”, mas também a nenhuma pedi ainda que me desse fé; pelo contrário, digo a todas o como sou e, se, apesar de tal, sua vaidade é tanta que se suponham inesquecíveis, a culpa, certo, que não é minha. Eis o que faço. E vós, meus caros amigos, que blasonais de firmeza de rochedo, vós jurais amor eterno cem vezes por ano a cem diversas belezas... vós sois tanto ou ainda mais inconstantes que eu!... mas entre nós há sempre uma grande diferença: - vós enganais e eu desengano; eu digo a verdade e vós, meus senhores, mentis...

- Está romântico!... está romântico!... exclamaram os três, rindo às gargalhadas.

- A alma que Deus me deu, continuou Augusto, é sensível demais para reter por muito tempo uma mesma impressão. Sou inconstante, mas sou feliz na minha inconstância, porque apaixonando-me tantas vezes não chego nunca a amar uma vez.

- Oh!... oh!... que horror!... que horror!...

- Sim! esse sentimento que voto às vezes a dez jovens num só dia, às vezes, numa mesma hora, não é amor, certamente. Por minha vida, interessantes senhores, meus pensamentos nunca têm dama, porque sempre têm damas; eu nunca amei... eu não amo ainda... eu não amarei jamais...

- Ah!... ah!... ah!... e como ele diz aquilo!

- Ou, se querem, precisarei melhor o meu programa sentimental; lá vai: afirmo, meus senhores, que meu pensamento nunca se ocupou, não se ocupa, nem se há de ocupar de uma mesma moça quinze dias.

- E eu afirmo que segunda-feira voltarás da ilha de... loucamente apaixonado de alguma de minhas primas.

- Pode bem suceder que de ambas.

- E que todo o resto do ano letivo passarás pela rua de... duas e três vezes por dia, somente com o fim de vê-la.

- Assevero que não.

- Assevero que sim.

- Quem?... eu?... eu mesmo passar duas e três vezes por dia por uma só rua, por causa de uma moça?... e para quê?... para vê-la lançar-me olhos de ternura, ou sorrir-se brandamente quando eu para ela olhar, e depois fazer-me caretas ao lhe dar as costas?... para que ela chame as vizinhas que lhe devem ajudar a chamar-me tolo, pateta, basbaque e namorador?... Não, minhas belas senhoras da moda!

eu vos conheço... amante apaixonado quando vos vejo, esqueço-me de vós duas horas depois de deixar-vos. Fora disto só queimarei o incenso da ironia no altar de vossa vaidade; fingirei obedecer a vossos caprichos e somente zombarei deles. Ah!... muitas vezes, alguma de vós, quando me ouve dizer: “sois encantadora”, está dizendo consigo: “ele me adora”, enquanto eu digo também comigo: “que vaidosa!”

- Que vaidoso!... te digo eu, exclamou Filipe.

- Ora, esta não é má!... Então vocês querem governar o meu coração?...

- Não; porém, eu torno a afirmar que tu amarás uma de minhas primas todo o tempo que for da vontade dela.

- Que mimos de amor que são as primas deste senhor!...

- Eu te mostrarei.

- Juro que não.

- Aposto que sim.

- Aposto que não.

- Papel e tinta, escreva-se a aposta.

- Mas tu me dás muita vantagem e eu rejeitaria a menor. Tens apenas duas primas; é um número de feiticeiras muito limitado. Não sejam só elas as únicas magas que em teu favor invoques para me

encantar. Meus sentimentos ofendem, talvez, a vaidade de todas as belas; todas as belas, pois, tenham o direito de te fazer ganhar a aposta, meu valente campeão do amor constante!

- Como quiseres, mas escreve.

- E quem perder?...

- Pagará a todos nós um almoço no Pharoux, disse Fabrício.

- Qual almoço! acudiu Leopoldo. Pagará um camarote no primeiro drama novo que representar o nosso João Caetano.

- Nem almoço, nem camarote, concluiu Filipe; se perderes, escreverás a história da tua derrota, e se ganhares, escreverei o triunfo da tua inconstância.

- Bem, escrever-se-á um romance, e um de nós dois, o infeliz, será o autor.

Augusto escreveu primeira, segunda e terceira vez o termo da aposta, mas depois de longa e vigorosa discussão, em que qualquer dos quatro falou duas vezes sobre a matéria, uma para responder e dez ou doze pela ordem; depois de se oferecerem quinze emendas e vinte artigos aditivos, caiu tudo por grande maioria, e entre bravos, apoiados e aplausos, foi aprovado, salva a redação, o seguinte termo:

“No dia 20 de julho de 18... na sala parlamentar da casa n... da “rua de... sendo testemunhas os estudantes Fabrício e Leopoldo, acordaram Filipe e Augusto, também estudantes, que, se até o dia “20

de agosto do corrente ano o segundo acordante tiver amado a uma “só mulher durante quinze dias ou mais, será obrigado a escrever um “romance em que tal acontecimento confesse; e, no caso contrário, igual “pena sofrerá o primeiro acordante. Sala parlamentar, 20 de julho de “18... Salva a redação.”

Como testemunhas: Fabrício e Leopoldo.

Acordantes: Filipe e Augusto.

E eram oito horas da noite quando se levantou a sessão.

2

Fabrício em Apuros

A cena que se passou teve lugar numa segunda-feira. Já lá se foram quatro dias, hoje é sexta-feira, amanhã será sábado, não um sábado como outro qualquer, mas um sábado véspera de Sant’Ana.

São dez horas da noite. Os sinos tocaram a recolher. Augusto está só, sentado junto de sua mesa, tendo diante de seus olhos seis ou sete livros e papéis, pena se toda essa série de coisas que compõem a mobília do estudante.

É inútil descrever o quarto de um estudante. Aí nada se encontra de novo. Ao muito acharão uma estante, onde ele guarda os seus livros, um cabide, onde pendura a casaca, o moringue, o castiçal, a cama, uma, até duas canastras de roupa, o chapéu, a bengala e a bacia; a mesa onde escreve e que só apresenta de recomendável a gaveta, cheia de papéis, de cartas de família, de flores e fitinhas misteriosas, é pouco mais ou menos assim o quarto de Augusto.

Agora ele está só. Às sete horas, desse quarto saíram três amigos: Filipe, Leopoldo e Fabrício.

Trataram da viagem para a ilha de... no dia seguinte retiraram-se descontentes, porque Augusto não se quis convencer de que deveria dar um ponto na Clínica para ir com eles ao amanhecer. Augusto tinha respondido: Ora vivam! bem basta que eu faça gazeta na aula de partos; não vou senão às dez horas do dia.

E, pois, despediram-se amuados. Fabrício queria ainda demorar-se e mesmo ficar com Augusto,

mas Leopoldo e Filipe o levaram consigo, à força. Fabrício fez-se acompanhar do moleque que servia Augusto, porque, dizia ele, tinha um papel de importância a mandar.

Eram dez horas da noite, e nada do moleque. Augusto via-se atormentado pela fome, e Rafael, o seu querido moleque, não aparecia... O bom Rafael, que era ao mesmo tempo o seu cozinheiro, limpa-botas, cabeleireiro, moço de recados e... e tudo mais que as urgências mandavam que ele fosse.

Com justa razão, portanto, estava cuidadoso Augusto, que de momento a momento exclamava:

- Vejam isto!... já tocou a recolher e Rafael está ainda na rua!! Se cai nas unhas de algum beleguim, não é, decerto, o Sr. Fabrício quem há de pagar as despesas da Casa de Correção... Pobre do Rafael! que cavaco não dará quando lhe raparem os cabelos!

Mas neste momento ouviu-se tropel na escada... Era Rafael, que trazia uma carta de Fabrício, e que foi aprontar o chá, enquanto Augusto lia a carta. Ei-la aqui:

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