Está tratado... não há remédio... Filipe, vou visitar tua avó. Sim, é melhor passar os dois dias estudando alegremente nesses três interessantes volumes da grande obra da natureza do que gastar as horas, por exemplo, sobre um célebre Velpeau, que só ele faz por sua conta e risco mais citações em cada página do que todos os meirinhos reunidos fizeram, fazem e hão de fazer pelo mundo.
- Bela conseqüência! É raciocínio o teu que faria inveja a um caloiro, disse Fabrício.
- Bem raciocinado... não tem dúvida, acudiu Filipe; então, conto contigo, Augusto?
- Dou-te palavra... e mesmo porque eu devo visitar tua avó.
- Sim... já sei... isso dirás tu a ela.
- Mas vocês não têm reparado que Fabrício tornou-se amuado e pensativo, desde que se falou nas primas de Filipe?...
- Disseram-me que ele anda enrabichado com minha prima Joaninha.
- A pálida?... pois eu já me vou dispondo a fazer meu pé-de-alferes com a loura.
- E tu, Augusto, quererás porventura reqüestar minha irmã?...
- É possível.
- E de que gostarás mais, da pálida, da loura ou da moreninha?...
- Creio que gostarei, principalmente, de todas.
- Ei-lo aí com a sua mania.
- Augusto é incorrigível.
- Não, é romântico.
- Nem uma coisa nem outra... é um grandíssimo velhaco.
- Não diz o que sente.
- Não sente o que diz.
- Faz mais do que isso, pois diz o que não sente.
- O que quiserem... Serei incorrigível, romântico ou velhaco, não digo o que sinto não sinto o que digo, ou mesmo digo o que não sinto; sou, enfim, mau e perigoso e vocês inocentes e anjinhos.
Todavia, eu a ninguém escondo os sentimentos que ainda há pouco mostrei, e em toda a parte confesso que sou volúvel, inconstante e incapaz de amar três dias um mesmo objeto; verdade seja que nada há mais fácil do que me ouvirem um “eu vos amo”, mas também a nenhuma pedi ainda que me desse fé; pelo contrário, digo a todas o como sou e, se, apesar de tal, sua vaidade é tanta que se suponham inesquecíveis, a culpa, certo, que não é minha. Eis o que faço. E vós, meus caros amigos, que blasonais de firmeza de rochedo, vós jurais amor eterno cem vezes por ano a cem diversas belezas... vós sois tanto ou ainda mais inconstantes que eu!... mas entre nós há sempre uma grande diferença: - vós enganais e eu desengano; eu digo a verdade e vós, meus senhores, mentis...
- Está romântico!... está romântico!... exclamaram os três, rindo às gargalhadas.
- A alma que Deus me deu, continuou Augusto, é sensível demais para reter por muito tempo uma mesma impressão. Sou inconstante, mas sou feliz na minha inconstância, porque apaixonando-me tantas vezes não chego nunca a amar uma vez.
- Oh!... oh!... que horror!... que horror!...
- Sim! esse sentimento que voto às vezes a dez jovens num só dia, às vezes, numa mesma hora, não é amor, certamente. Por minha vida, interessantes senhores, meus pensamentos nunca têm dama, porque sempre têm damas; eu nunca amei... eu não amo ainda... eu não amarei jamais...
- Ah!... ah!... ah!... e como ele diz aquilo!
- Ou, se querem, precisarei melhor o meu programa sentimental; lá vai: afirmo, meus senhores, que meu pensamento nunca se ocupou, não se ocupa, nem se há de ocupar de uma mesma moça quinze dias.
- E eu afirmo que segunda-feira voltarás da ilha de... loucamente apaixonado de alguma de minhas primas.
- Pode bem suceder que de ambas.
- E que todo o resto do ano letivo passarás pela rua de... duas e três vezes por dia, somente com o fim de vê-la.
- Assevero que não.
- Assevero que sim.
- Quem?... eu?... eu mesmo passar duas e três vezes por dia por uma só rua, por causa de uma moça?... e para quê?... para vê-la lançar-me olhos de ternura, ou sorrir-se brandamente quando eu para ela olhar, e depois fazer-me caretas ao lhe dar as costas?... para que ela chame as vizinhas que lhe devem ajudar a chamar-me tolo, pateta, basbaque e namorador?... Não, minhas belas senhoras da moda!
eu vos conheço... amante apaixonado quando vos vejo, esqueço-me de vós duas horas depois de deixar-vos. Fora disto só queimarei o incenso da ironia no altar de vossa vaidade; fingirei obedecer a vossos caprichos e somente zombarei deles. Ah!... muitas vezes, alguma de vós, quando me ouve dizer: “sois encantadora”, está dizendo consigo: “ele me adora”, enquanto eu digo também comigo: “que vaidosa!”
- Que vaidoso!... te digo eu, exclamou Filipe.
- Ora, esta não é má!... Então vocês querem governar o meu coração?...
- Não; porém, eu torno a afirmar que tu amarás uma de minhas primas todo o tempo que for da vontade dela.
- Que mimos de amor que são as primas deste senhor!...
- Eu te mostrarei.
- Juro que não.