A formosa castelã.
‘Mouro, tens o meu amor;
Cristão,
Serás meu nobre senhor.’
Sua voz era um encanto,
O olhar
Quebrado, pedia tanto!
‘Antes de ver-te, senhora,
Fui rei;
Serei teu escravo agora.
Por ti deixo meu alcáçar Fiel;
Meus paços d’ouro e de nácar.
Por ti deixo o paraíso,
Meu céu
É teu mimoso sorriso.’
A dona em um doce enleio
Tirou
Seu lindo colar do seio.
As duas almas cristãs,
Na cruz
Um beijo tornou irmãs.”
A voz suave e meiga perdeu-se no silêncio do ermo; o eco repetiu um momento as suas doces modulações.
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TERCEIRA PARTE
OS AIMORÉS
I PARTIDA
Na segunda-feira, eram seis horas da manhã, quando D. Antônio de Mariz chamou seu filho.
O velho fidalgo velara uma boa parte da noite; ou escrevendo ou refletindo sobre os perigos que ameaçavam sua família.
Peri lhe havia contado todas as particularidades de seu encontro com os Aimorés; e o cavalheiro, que conhecia a ferocidade e o espírito vingativo dessa raça selvagem, esperava a cada momento ser atacado.
Por isso, de acordo com Álvaro, D. Diogo e seu escudeiro Aires Gomes, tinha tomado todas as medidas de precaução que as circunstâncias e sua longa experiência lhe aconselhavam.
Quando seu filho entrou, o velho fidalgo acabava de selar duas cartas que escrevera na véspera.
— Meu filho, disse ele com uma ligeira emoção, refleti esta noite sobre o que nos pode acontecer, e assentei que deveis partir hoje mesmo para São Sebastião.
— Não é possível, senhor!... Afastais-me de vós justamente quando correis um perigo?
— Sim! É justamente quando um grande perigo nos ameaça, que eu, chefe da casa, entendo ser do meu dever salvar o representante do meu nome e meu herdeiro legitimo, o protetor de minha família órfã.
— Confio em Deus, meu pai, que vossos receios serão infundados; mas se ele nos quiser submeter a tal provança, o único lagar que compete a vosso filho e herdeiro de vosso nome é nesta casa ameaçada, ao vosso lado, para defender-vos e partilhar a vossa sorte, qualquer que ela seja.
D. Antônio apertou seu filho ao peito.
— Eu te reconheço; tu és meu filho; é o meu sangue juvenil que gira em tuas veias, e o meu coração de moço que fala pelos teus lábios. Deixa porém que os cinqüenta anos de experiência que desde então passaram sobre minha cabeça encanecida te ensinem o que vai da mocidade à velhice, o que vai do ardente cavalheiro ao pai de uma família.
— Eu vos escuto, senhor; mas pelo amor que vos consagro poupai-me a dor e a vergonha de deixar-vos no momento em que mais precisais de um servidor fiel e dedicado.
O fidalgo prosseguiu já calmo:
— Não é uma espada, D. Diogo, que nos dará a vitória, fosse ela valente e forte como a vossa: entre quarenta combatentes que vão se medir talvez contra centenas e centenas de inimigos, um de mais ou de menos não importa ao resultado.