Peri não perdera a esperança de lhe deparar a fortuna outra ocasião favorável para realizar o seu projeto; seguiu-os. Foi então que de longe por baixo das árvores avistou Álvaro na mesma direção em que iam os aventureiros; despedindo uma seta por elevação dera ao cavalheiro o primeiro sinal, e os outros que o fizeram afastar-se.
Deixando Álvaro, a intenção do índio era atalhar os aventureiros, esperá-los junto à cerca; e quando eles se separassem para entrar um a um, matá-los.
Mas uma fatalidade parecia perseguir o índio, e proteger seus inimigos.
Quando Bento Simões, destacando-se dos companheiros, entrou a cerca, Peri ouviu naquela direção a voz de Cecília que voltava do passeio com seu pai e sua prima.
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A mão do índio, que nunca tremera no meio do combate, caiu inerte; escapou-lhe o arco, só com a idéia de que a seta que ia atirar pudesse assustar a menina, quanto mais ofendê-la.
Bento Simões passou incólume.
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XIV A XÁCARA
Peri viu passar pouco depois Loredano e Rui Soeiro.
Era a terceira vez que os aventureiros depois de estarem na sua mão lhe escapavam por uma espécie de fatalidade.
O índio refletiu alguns momentos e tomou uma resolução definitiva; modificou inteiramente o seu plano. A princípio decidira não atacar os três inimigos de frente, não porque os temesse, mas sim porque receava que morrendo pudessem realizar a salvo o projeto, cujo segredo só ele sabia.
Conheceu porém que não havia remédio senão recorrer a este expediente; o tempo corria; de um momento para outro podia o italiano executar a sua trama.
O que precisava era achar um meio para, no caso de sucumbir, prevenir a D.
Antônio de Mariz do perigo que o ameaçava; este meio havia já acudido ao pensamento do índio.
Foi ter com Álvaro que o esperava.
O moço já o tinha esquecido; pensava em Cecília, na sua afeição quebrada, na sua mais doce esperança marcha, e talvez perdida para sempre.
Às vezes também apresentava-se ao seu espírito a imagem melancólica de Isabel; lembrava-se que ela também amava, e não era amada. Esta lembrança criava certo laço entre ele e a moca; ambos sofriam pela mesma causa, ambos sentiam o mesmo pesar, e curtiam igual desengano.
Depois vinha a idéia de que era a ele que Isabel amava; sem querer repassava na memória as ternas palavras; revia o sorriso triste e os olhares de fogo que se aveludavam com a languidez do amor.
Parecia-lhe que sentia ainda o hálito perfumado da moça, a pressão da cabeça desfalecida em seu ombro, o contato das mãos trêmulas, e o eco das queixas murmuradas pela voz maviosa.
O coração lhe palpitava com violência; esquecia-se revendo a bela imagem, de um moreno suave, a que o amor dava reflexos e uma auréola esplêndida.
Mas de repente estremecia, como se a moça ainda estivesse perto dele; passava a mão pela fronte para arrancar as reminiscências que o incomodavam; e tornava à indiferença de Cecília e ao desengano de suas esperanças.
Quando Peri se aproximou, Álvaro estava num dos momentos de tédio e desapego da vida, que sucedem às dores profundas.
— Dize-me, Peri. Falaste de inimigos?
— Sim; respondeu o índio.
— Quero conhecê-los.
— Para quê?
— Para atacá-los.
— Mas são três.
— Melhor.
O índio hesitou:
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— Não; Peri quer combater só os inimigos de sua senhora; se ele morrer, tu saberás tudo; acaba então o que Peri tiver começado.
— Para que este mistério? Não podes dizer já quem são esses inimigos?
— Peri pode; mas não quer dizer.
— Por quê?
— Porque tu és bom e pensas que os outros também são; tu defenderás os maus.
— Oh! que não. Fala!
— Ouve. Se Peri não aparecer amanhã, tu não tornarás a vê-lo; mas a alma de Peri voltará para te dizer os nomes deles.
— Como?