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Um dia a menina, semelhante a uma gentil castelã da idade Média, tinha se divertido em explicar ao índio, como os guerreiros que serviam uma dama, costumavam usar nas armas de suas cores.

— Tu dás a Peri as tuas cores, senhora? disse o índio.

Página 124

— Não tenho, respondeu a menina; mas vou tomar umas para te dar; queres?

— Peri te pede.

— Quais achas mais bonitas?

— A de teu rosto, e a de teus olhos.

Cecília sorriu.

— Toma-as eu tas dou.

Desde este dia, Peri enramou todas as suas setas de penas azuis e brancas; seus ornatos, além de uma faixa de plumas escarlates que fora tecida por sua mãe, eram ordinariamente das mesmas cores.

Foi por esta razão que Álvaro, vendo a plumagem da seta, tranqüilizou-se; conheceu que era de Peri, e compreendeu o sentido da frase simbólica que o índio lhe mandava pelos ares.

Com efeito aquela flecha na linguagem de Peri não era mais do que um aviso dado em silêncio e de uma grande distancia; uma carta ou mensageira muda, uma simples interjeição: Alto!

O moço esqueceu os seus pensamentos e lembrou-se do que Peri lhe havia dito pela manhã; naturalmente o que acabava de fazer tinha relação com esse mistério que apenas deixara entrever.

Correu os olhos pelo espaço que se estendia diante dele, e sondou com o olhar as moitas que o cercavam, não viu nada que merecesse atenção, não percebeu um sinal que lhe indicasse a presença do índio.

Álvaro resolveu pois esperar; e parando junto da flecha, cruzou os braços, e com os olhos fitos na linha escura da mata que se recortava no fundo azul do horizonte, esperou.

Um instante depois uma pequena seta açoitando o ar veio cravar-se no tope da primeira, e abalou-a com tal força que a haste inclinou-se; Álvaro compreendeu que o índio queria arrancar a flecha, e obedeceu à ordem.

Imediatamente terceira seta caiu dois passos à direita do cavalheiro, e outras foram-se sucedendo na mesma direção de duas em duas braças até que uma mergulhou-se num arvoredo basto que ficava a trinta passos do lugar onde parara a princípio.

Não era difícil desta vez compreender a vontade de Peri; Álvaro, que acompanhava as setas a proporção que caiam, e que sabia indicarem elas o lugar onde devia parar, apenas viu a última sumir-se no arvoredo, escondeu-se por entre a folhagem.

Daí, com pequeno intervalo, viu três vultos que passavam pouco mais ou menos pelo lagar que há pouco havia deixado; Álvaro não os pôde conhecer por causa da ramagem das árvores, mas viu que caminhavam cautelosamente, e pareceu-lhe que tinham as pistolas em punho.

Os vultos afastaram-se dirigindo-se à casa; o cavalheiro ia segui-los, quando as folhas se abriram, e Peri resvalando como uma sombra, sem fazer o menor rumor, aproximou-se dele, e disse-lhe ao ouvido uma palavra:

— São eles.

— Eles quem?

— Os inimigos brancos.

— Não te entendo.

Página 125

— Espera: Peri volta.

E o índio despareceu de novo nas sombras da noite que avançava rapidamente.

Página 126

XIII TRAMA

Tornemos ao lugar onde deixamos Loredano e seus dois companheiros.

O italiano depois que Álvaro e Peri se afastaram, levantou-se; passada a primeira emoção, sentira um acesso de raiva e desespero por lhe escaparem os seus inimigos.

Um instante lembrou-se de chamar os cúmplices para atacar o cavalheiro e o índio; mas essa idéia desvaneceu-se logo; o aventureiro conhecia os homens que o seguiam; sabia que podia fazer deles assassinos, mas nunca homens de energia e resolução.

Ora, os dois inimigos que tinha a combater, eram respeitáveis; e Loredano temeu comprometer ainda mais a sua causa, já muito mal parada. Devorou pois em silêncio a sua raiva, e começou a refletir nos meios de sair da posição difícil em que se achava.

Neste meio tempo Rui Soeiro e Bento Simões vinham-se aproximando receosos do que tinham visto, e temendo o menor incidente que complicasse a situação.

Loredano e seus companheiros olharam-se em silêncio um momento; havia nos olhos destes últimos uma interrogação muda e inquieta, a que respondia perfeitamente o rosto pálido e contraído do italiano.

— Não era ele!... murmurou o aventureiro com a voz surda.

— Como sabeis?

— Se fosse, acreditais que me deixasse a vida?

— É verdade; mas quem foi então?

— Não sei; porém agora pouco importa. Quem quer que fosse, é um homem que sabe o nosso segredo e pode denunciá-lo, se já não o fez.

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