— Só há duas coisas a fazer, ou entrarmos na casa, ou fugirmos daqui mesmo; é preciso resolver. Que pensais vós?
— Eu penso, disse Bento Simões trêmulo ainda, que devemos fugir quanto antes, e andar dia e noite sem parar.
— E vós, Rui, sois do mesmo aviso?
— Não; fugir é nos denunciar e perder. Três homens sós neste sertão, obrigados a evitar o povoado, não podem viver; temos inimigos por toda a parte.
— Que propondes então?
— Que entremos em casa como se nada tivesse passado; ou estamos descobertos, e neste caso ainda faltam as provas para nos condenarem; ou ignoram tudo e não corremos o menor risco.
— Tendes razão, disse o italiano, devemos voltar; nessa casa está a nossa fortuna, ou a nossa ruína. Achamo-nos numa posição em que devemos ganhar tudo ou perder tudo.
Houve longa pausa durante que o italiano refletia.
— Com quantos homens contais, Rui? perguntou ele.
— Com oito.
— E vós, Bento?
— Sete.
— Decididos?
— Prontos ao menor sinal.
— Bem, disse o italiano com o desempeno de um chefe dispondo o plano da batalha; trazei cada um os vossos homens amanhã a esta hora; é preciso que à noite tudo esteja concluído.
— E agora o que vamos fazer? perguntou Bento Simões.
— Vamos esperar que escureça; à boca da noite nos achegaremos da casa. Um de nós à sorte entrará primeiro; se nada houver, dará sinal aos outros. Assim, quando um se perca, dois ao menos terão ainda esperança de salvar-se.
Os aventureiros resolveram passar o dia no mato; uma caça, algumas frutas silvestres deram-lhes simples mas abundante refeição.
Por volta de cinco horas da tarde se encaminharam à casa, a fim de sondarem o que passava, e realizarem o seu projeto.
Antes de partirem, Loredano carregou a clavina, mandou seus companheiros carregar as suas, e disse-lhes:
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— Assentai bem nisto. Na posição difícil em que estamos, quem não é nosso amigo é nosso inimigo. Pode ser um espião, um denunciante; em todo o caso será depois menos um que teremos contra nós.
Os dois compreenderam a justeza dessa observação, e seguiram com as armas engatilhadas, olho vivo e ouvido alerta.
Apesar porém da sua atenção, não viram agitar-se as folhas a dois passos deles e estender-se pelos arbustos uma ondulação que parecia produzida pela correnteza do vento.
Era Peri; havia um quarto de hora que ele acompanhava os aventureiros como a sua sombra; o índio deixando D. Antônio dera pela sua ausência e conjeturando que eles tramavam alguma coisa, lançou-se em sua procura.
O italiano e seus companheiros caminhavam já havia pedaço, quando Bento Simões parou:
— Quem entrará primeiro?
— A sorte decidirá, respondeu Rui.
— Como?
— Desta maneira, disse o italiano. Vedes aquela árvore? O que primeiro chegar a ela será o último a entrar; o último será o primeiro.
— Está dito!
Os três meteram as armas à cinta e prepararam-se para a corrida.
Peri ouvindo-os teve uma inspiração: os aventureiros iam separar-se; como Loredano, ele também disse consigo:
— O último será o primeiro.
E tomando três flechas, esticou a corda do arco; mataria os aventureiros sem que um percebesse a morte dos outros.
Os três partiram; mas não tinham feito uma braça de caminho quando Bento Simões tropeçando, foi de encontro a Loredano, e estendeu-se no chão, ao fio comprido do lombo.
Loredano soltou uma blasfêmia, Bento gritou misericórdia; Rui que já ia adiante, voltou julgando que alguma coisa sucedia.
O plano de Peri tinha gorado.
— Sabeis, disse Loredano, que no páreo perde aquele que se deixou cair. Sereis o primeiro, amigo Bento.
O aventureiro não tugiu.