“Façam o que eu mesmo fazia na minha vida na Terra: ao fim da jornada, eu interrogava a minha consciência, revistando tudo que havia feito e me perguntava se não havia faltado com algum dever, se ninguém teve motivo para se queixar de mim. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que havia em mim para ser reformado. Aquele que a cada noite recordasse todas as suas ações do dia e indagasse a si mesmo o que fez de bem ou de mal, rogando a Deus e ao seu anjo da guarda para o esclarecer, este adquiriria uma grande força para se aperfeiçoar,
408 – Allan Kardec
porque — acreditem em mim — Deus o ajudaria. Portanto, façam perguntas, e se interroguem sobre o que fizeram e com que objetivo agiram em tal circunstância: se fizeram alguma coisa que vocês condenariam da parte de outrem; se fizeram um ato que não ousariam expor. Perguntem ainda mais isso: Se agradasse a Deus me chamar neste momento, será que eu teria que temer o olhar de alguém, ao reentrar no mundo dos Espíritos onde nada fica escondido? Examinem o que vocês puderam ter feito contra Deus, depois contra o próximo e, finalmente, contra vocês mesmos. As respostas serão ou um repouso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.
“O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do melhoramento individual. Mas vocês dirão: como julgar a si mesmo? Não teríamos aí a ilusão do amor-próprio para suavizar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhoso acha que têm apenas dignidade. Isto é bem verdade, mas vocês dispõem de um meio de verificação que não pode vos iludir: quando estiverem indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, perguntem-se como vocês a qualificariam se tal ato fosse praticado por outra pessoa; se o condenariam nos outros. Esse ato não poderia ser mais legítimo em vocês, pois Deus não usa duas medidas para a justiça.
Procurem também saber o que os seus semelhantes pensam disso e não desprezem a opinião dos inimigos, pois estes não têm nenhum interesse em mascarar a verdade, e Deus muitas vezes os coloca ao lado de vocês como um espelho para vos advertir com mais franqueza do que um amigo o faria. Que aquele que tenha o desejo sério de se melhorar então explore a sua consciência a fim de arrancar de si os maus pendores, bem como arranca as ervas daninhas do seu jardim; que ele faça o balancete da sua jornada moral como o comerciante faz o de suas perdas e seus lucros, e eu vos asseguro que o balancete moral lhe trará mais que o outro. Se puder se dizer que o seu dia foi bom, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.
“Então, formulem para vocês mesmos questões nítidas e precisas, e não temam em multiplicá-las: bem podemos dedicar alguns minutos
409 – O Livro dos Espíritos
para conquistar uma felicidade eterna. Vocês não trabalham todos os dias com o propósito de juntar bens que lhes garantam repouso na velhice? Esse repouso não é o objetivo de todos os vossos desejos e o objetivo que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem!
O que seria esse repouso de alguns dias perturbado pelas enfermidades do corpo, em comparação com aquele que espera o homem de bem? Não vale a pena fazer alguns esforços por este repouso? Sabemos que há gente falando que o presente é concreto e o futuro é incerto; ora, esta é exatamente a ideia que estamos encarregados de apagar em vocês, visto que desejamos vos fazer compreender esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida na vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos da natureza capazes de tocar os vossos sentidos, e agora vos damos instruções que cada um de vocês está encarregado de compartilhar. Com este objetivo é que ditamos o Livro dos Espíritos.”
SANTO AGOSTINHO
Muitos erros que cometemos passam despercebidos por nós. Com efeito, seguindo o conselho de santo Agostinho, se interrogarmos mais frequentemente nossa consciência, nós veremos quantas vezes falhamos sem perceber, por não escrutinarmos a natureza e a motivação de nossos atos. A forma interrogativa tem algo mais preciso do que uma máxima que geralmente não aplicamos a nós mesmos. Ela exige respostas categóricas — por um sim ou um não — que não deixam alternativa; são tantos argumentos pessoais, e pela soma das respostas pode-se supor a soma do bem e do mal que está em nós.
410 – Allan Kardec
LIVRO QUARTO
ESPERANÇAS
E CONSOLAÇÕES
I - SOFRIMENTOS E PRAZERES TERRENOS
II - SOFRIMENTOS E PRAZERES FUTUROS
411 – O Livro dos Espíritos
CAPÍTULO PRIMEIRO
SOFRIMENTOS E PRAZERES
TERRENOS
Felicidade e infelicidade relativas – Perda de pessoas amadas
– Decepções. Ingratidão. Afeições rompidas –
Uniões antipáticas – Temor da morte
– Desgosto da vida. Suicídio
Felicidade e infelicidade relativas
920. O homem pode gozar na Terra de uma completa felicidade?
“Não, já que a vida lhe foi dada como prova ou expiação. Porém, depende dele suavizar seus males e ser tão feliz quanto possível na Terra.”
921. Compreendemos que o homem será feliz na Terra quando a humanidade estiver transformada. Mas enquanto isso, cada um pode assegurar uma felicidade relativa?
“Quase sempre o homem é o artesão da sua própria infelicidade.
Praticando a lei de Deus, ele se poupa de muitos males e obtém para si mesmo uma felicidade tão grande quanto a sua existência grosseira o permitir.”
O homem que está bem convencido de sua destinação futura não vê na vida corporal mais do que uma estação temporária. Para ele, é como uma parada momentânea numa hospedaria precária; ele se consola facilmente de alguns aborrecimentos passageiros de uma viagem que deve conduzi-lo a uma posição tanto melhor quanto ele tenha cuidado melhor dos preparativos.
412 – Allan Kardec
Somos punidos já desde esta vida pela infração às leis da existência corpórea, sofrendo os males consequentes dessas mesmas infrações e dos nossos próprios excessos. Se voltarmos pouco a pouco à origem do que chamamos nossas desgraças terrenas, então veremos que na maioria dos casos elas são a sequência de um primeiro desvio do caminho certo. Por esse desvio nós enveredamos por uma via errada e, de consequência em consequência, caímos no infortúnio.
922. A felicidade terrena é relativa à posição de cada um. O que basta para a felicidade de um constitui a desgraça de outro. Haveria, porém, alguma medida de felicidade comum a todos os homens?
“Com relação à vida material, é a posse do necessário; para a vida moral, a boa consciência e a fé no futuro.”
923. O que seria supérfluo para um não se tornaria necessário para outro e, reciprocamente, segunda a posição?
“Sim, de acordo com as vossas ideias materialistas, vossos preconceitos, vossa ambição e todas as vossas travessuras ridículas, cujo futuro fará justiça quando vocês compreenderem a verdade. Sem dúvidas, aquele que tinha cinquenta mil livre de renda e se encontra reduzido a dez mil então se considera muito desgraçado por não poder mais manter tão grande pose e conservar o que ele chama de sua classe, ter cavalos, criados, satisfazer a todas as suas paixões etc. Ele acredita que lhe falta o necessário. Mas francamente, você o considera digno de lástima, enquanto ao lado dele há tantos outros morrendo de fome e de frio, sem um abrigo onde repousar a cabeça? O sábio, para ser feliz, olha para baixo dele, e não para cima — a não ser para elevar sua alma ao infinito.” (Ver a questão 715.) 924. Há males que não dependem da maneira de agir do homem e que atingem até mesmo os mais justos. Há algum meio de se preservar deles?
“O homem deve se resignar e sofrer sem murmurar, se quiser progredir. Todavia, ele sempre possui uma consolação na própria consciência que lhe dá a esperança de um futuro melhor — se ele fizer o que é preciso para obtê-lo.”
413 – O Livro dos Espíritos