“Se for para criticar e expor os defeitos alheios, isso é muito culpável, porque é faltar com a caridade; se for para tirar proveito pessoal e para você mesmo evitar esses erros, então isso às vezes pode ser útil. Mas, é importante não esquecer que a indulgência para com os defeitos dos outros é uma das virtudes contidas na caridade. Antes de fazerem aos outros uma reprovação pelas imperfeições deles, vejam se não podem dizer o mesmo de vocês mesmos. Portanto, tratem de ter as qualidades opostas aos defeitos que criticam nos outros, pois esse é o meio de se tornarem superiores. Se os censuram por serem avarentos, sejam generosos; por eles serem orgulhosos, sejam humildes e modestos; por eles serem agressivos, sejam dóceis; de eles agirem com mesquinhez, sejam grandes em todas as vossas ações. Numa palavra: façam de uma maneira que não se possa vos aplicar estas palavras de Jesus: Vê o cisco no olho do seu vizinho e não vê a trave no seu próprio.”
904. Será culpável examinar e revelar as chagas da sociedade?
“Depende do sentimento que o leva a fazer isso. Se o escritor nada objetiva além de produzir escândalo, é só um gozo pessoal que ele procura para si mesmo apresentando quadros que muitas vezes são antes mais um mau do que um bom exemplo. O Espírito aprecia isso, mas pode ser punido por esse tipo de prazer que ele tem em revelar o mal.”
904-a. — Nesse caso, como julgar a pureza das intenções e a sinceridade do escritor?
“Nem sempre isso é útil. Se ele escreve boas coisas, façam bom proveito delas; se escreve coisas más, é uma questão de consciência que diz respeito a ele. De resto, se o escritor quiser provar sua sinceridade, cabe-lhe apoiar o preceito pelo seu próprio exemplo.”
905. Alguns autores têm publicado obras belíssimas e de grande moral, contribuindo assim para o progresso da humanidade, mas das quais eles mesmos não aproveitaram. Será levado em consideração, como Espíritos, o bem que suas obras fizeram?
“A moral sem as ações é como a semente sem o trabalho. De que lhes
401 – O Livro dos Espíritos
serve a semente se vocês não a fazem frutificar para se alimentarem? Esses homens são mais culpáveis, porque eles tinham inteligência para entender. Ao não praticar as máximas que eles ditaram aos outros, eles renunciaram a colher os seus frutos.”
906. Aquele que faz bem pode ser repreendido por ter consciência disso e por admiti-lo para si mesmo?
“Já que ele pode ter consciência do mal que faz, ele deve também ter consciência do bem, a fim de saber se age bem ou mal. Ponderando todas as suas ações na balança da lei de Deus e principalmente naquela lei de justiça, de amor e de caridade, é que ele poderá dizer a si mesmo se suas ações são boas ou más, aprová-las ou desaprová-las. Portanto, ele não pode ser repreendido por reconhecer que venceu suas más tendências e de estar satisfeito com isso, desde que não se envaideça, porque então cairá em outro erro.” (Ver a questão 919.)
Paixões
907. Como o princípio das paixões está na natureza, ele é mau em si mesmo?
“Não; a paixão está no excesso unido à vontade, pois o princípio foi dado ao homem para o bem, e as paixões podem levá-lo a grandes realizações; é o abuso que se faz das paixões que causa o mal.”
908. Como definir o limite em que as paixões deixam de ser boas ou más?
“As paixões são como um cavalo, que é útil quando é dominado e que se torna perigoso quando é ele quem domina. Reconhece-se então que uma paixão se torna perniciosa do momento em que vocês deixam de poder governá-la e que ela tem como resultado um prejuízo qualquer para vocês mesmos ou para outrem.”
As paixões são alavancas que multiplicam dez vezes as forças do homem e o ajudam na realização dos desígnios da Providência. Entretanto se, ao invés de dirigi-las, o homem se deixa dirigir por elas, ele tomba no excesso, e até mesmo a
402 – Allan Kardec
força que em sua mão poderia fazer o bem recai sobre ele e o esmaga.
Todas as paixões têm seu princípio num sentimento ou necessidade natural.
Portanto, o princípio das paixões não é um mal, uma vez que repousa sobre uma das condições providenciais de nossa existência. A paixão propriamente dita é o exagero de uma necessidade ou de um sentimento; está no excesso e não na causa;
e esse excesso torna-se um mau quando tem por consequência um mal qualquer.
Toda paixão que aproxima o homem da natureza animal o afasta de sua natureza espiritual.
Todo sentimento que eleva o homem acima da natureza animal revela a predominância do Espírito sobre a matéria e o aproxima da perfeição.
909. O homem sempre poderia vencer suas más inclinações pelos seus esforços?
“Sim, e algumas vezes com poucos esforços; o que lhe falta é vontade. Ah, quão pouco de vocês fazem esforços para vencer suas más tendências!”
910. O homem pode encontrar nos Espíritos uma assistência eficaz para superar suas paixões?
“Se pedir a Deus e ao seu bom gênio com sinceridade, os bons Espíritos certamente virão em seu auxílio, pois essa é a missão deles.” (Ver questão 459.) 911. Existem paixões tão fortes e tão irresistíveis que a vontade seja impotente para superá-las?
“Há muitas pessoas que falam: eu quero, mas cuja vontade fica só nos lábios; elas querem, mas ficam bem contentes que isso não se realize. Quando a pessoa acredita que não pode vencer as suas paixões, é que seu Espírito se deleita com elas por causa de sua inferioridade. Aquele que procura reprimir suas paixões compreende a sua natureza espiritual. Para ele, vencê-las é uma vitória do Espírito sobre a matéria.”
912. Qual é a maneira mais eficaz de combater a predominância da natureza corporal?
“Praticar a abnegação de si mesmo.”
403 – O Livro dos Espíritos
O egoísmo
913. Dentre os vícios, qual é o que podemos considerar como radical?
“Já dissemos muitas vezes: é o egoísmo. Daí deriva todo o mal. Estudem todos os vícios e vocês verão que no fundo de tudo há egoísmo. Por mais que lutem contra eles, vocês não chegarão a extirpar os vícios enquanto não atacarem o mal pela raiz, enquanto não destruírem a causa. Então, dediquem todos os esforços para esse efeito, pois aí é que está a verdadeira chaga da sociedade. Quem quiser se aproximar da perfeição moral, já desde esta vida, deve extirpar do seu coração todo sentimento de egoísmo, porque o egoísmo é incompatível com a justiça, com o amor e com a caridade e neutraliza todas as outras qualidades.”
914. Sendo o egoísmo fundado sobre o sentimento do interesse pessoal, parece bem difícil eliminá-lo inteiramente do coração do homem. Poderíamos conseguir isso?
“À medida que os homens se esclarecem acerca das coisas espirituais, eles dão menos valor às coisas materiais. Depois, é necessário reformar as instituições humanas que o entretêm e o excitam. Isso depende da educação.”
915. Por ser inerente à espécie humana, o egoísmo não seria sempre um obstáculo ao reino do bem absoluto na Terra?
“É certo que o egoísmo é o vosso maior mal, porém ele se prende à inferioridade dos Espíritos encarnados na Terra, e não propriamente à humanidade. Ora, purificando-se através das sucessivas encarnações, os Espíritos abandonam o egoísmo como abandonam suas outras impurezas.
Será que não existirá na Terra nenhum homem desprovido de egoísmo e praticante da caridade? Há muito mais homens assim do que pensam —