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“Sem dúvida, tudo o que é adquirido legalmente é uma propriedade, porém, como temos dito, a legislação dos homens — por ser imperfeita —

consagra muitos direitos convencionais que a justiça natural reprova. Daí por que eles reformam suas leis à medida que o progresso se efetua e que eles compreendem melhor a justiça. O que em um século parece perfeito poderá parecer bárbaro no século seguinte.” (Ver a questão 795.)

Caridade e amor ao próximo

886. Qual é o verdadeiro sentido da palavra caridade como Jesus a entendia?

“Benevolência para com todos, indulgência para com as imperfeições alheias e perdão das ofensas.”

O amor e a caridade representam o complemento da lei de justiça, pois amar o próximo é lhe fazer todo o bem que esteja ao nosso alcance e que desejaríamos que fosse feito a nós mesmos. Tal é o sentido destas palavras de Jesus: Amem-se

uns aos outros como irmãos.

Segundo Jesus, a caridade não se restringe à esmola; ela abrange todas as relações que nós temos com os nossos semelhantes — sejam eles inferiores, iguais ou superiores a nós. Ela nos ordena a indulgência, porque dela nós mesmos temos necessidade; ela nos proíbe de humilhar os desafortunados, contrariamente ao que se costuma fazer. Quando uma pessoa rica se apresenta, tem-se para ela todo respeito e todas as atenções; quando se trata de um pobre, parece que não precisamos nos importar com ela. Quanto mais lamentável seja a posição dela, mais ainda se deve — ao contrário — temer aumentar o infortúnio dela pela humilhação. O homem verdadeiramente bom procura elevar a pessoa inferior aos seus próprios olhos, diminuindo a distância entre eles.

887. Jesus também disse: Amem até os vossos inimigos. Ora, o amor aos inimigos não seria contrário às nossas tendências naturais? E a inimizade não

393 – O Livro dos Espíritos

vem de uma falta de simpatia entre os Espíritos?

“Indubitavelmente, não se pode ter pelos inimigos um amor terno e apaixonado; não foi isso o que Jesus quis dizer. Amar os inimigos é lhes perdoar e lhes retribuir o mal com o bem. Dessa forma, nós nos tornamos superiores aos inimigos; já pela vingança, nós nos colocamos abaixo deles.”

888. O que pensar da esmola?

“O homem reduzido a pedir esmola se degrada moral e fisicamente: ele se embrutece. Numa sociedade baseada na lei de Deus e na justiça, a vida dos

fracos deve ser amparada sem humilhação para eles, e deve assegurar a existência daqueles que não podem trabalhar, sem deixar as suas vidas à

mercê do acaso e da boa vontade.”

888-a. — Os Espíritos reprovam a esmola?

“Não; não é a esmola que seja reprovável, mas é a maneira como ela costuma ser dada. O homem de bem, que compreende a caridade conforme Jesus, vai ao encontro do pobre sem esperar que este lhe estenda a mão.

“A verdadeira caridade é sempre bondosa e benévola; está tanto na maneira como no ato. Um serviço prestado com delicadeza dobra o valor; se for com arrogância, a necessidade pode o fazer aceitar, mas o coração fica pouco tocado por isso.

“Lembrem-se também de que, aos olhos de Deus, a ostentação tira o mérito do benefício. Disse Jesus: Que a tua mão esquerda não saiba o que a mão direita der. Nisso ele vos ensina a não manchar a caridade com o orgulho.

“É preciso distinguir a esmola propriamente dita da beneficência.

Nem sempre o mais necessitado é o que pede; o temor de uma humilhação detém o verdadeiro pobre, que muitas vezes sofre sem se queixar. É a esse é que o homem verdadeiramente humano sabe ir procurar sem ostentação.

“Amem-se uns aos outros, eis toda a lei, lei divina pela qual Deus governa os mundos. O amor é a lei de atração para os seres vivos e

394 – Allan Kardec

organizados. A atração é a lei de amor para a matéria inorgânica.

“Não esqueçam jamais que o Espírito — qualquer que seja o grau de seu adiantamento e sua situação na reencarnação ou na erraticidade

— está sempre colocado entre um superior que o guia e aperfeiçoa, e um inferior para com quem ele tem os mesmos deveres a cumprir. Então, sejam caridosos, não somente com essa caridade que vos leva a tirar do bolso o óbolo que vocês dão friamente àquele que ousa lhes pedir, mas sigam além ao encontro das misérias ocultas. Sejam indulgentes com os defeitos dos vossos semelhantes; em lugar de desprezar a ignorância e o vício, instruam e moralizem a todos; sejam brandos e benevolentes para com tudo o que vos seja inferior; sejam os mesmos para com os seres mais ínfimos da criação e terão obedecido à lei de Deus.”

SÃO VICENTE DE PAULO

889. Não há homens reduzidos à mendicância por sua própria culpa?

“Sem dúvida; mas se uma boa educação moral tivesse lhes ensinado a praticar a lei de Deus, eles não teriam caído nos excessos que causam a perdição deles. É principalmente disso que depende a melhoria do vosso globo.” (Ver a questão 707.)

Amor materno e filial

890. O amor materno é uma virtude ou um sentimento instintivo comum aos homens e aos animais?

“Uma coisa e outra. A natureza deu à mãe o amor aos seus filhos no interesse da conservação deles; porém, no animal esse amor fica limitado às necessidades materiais: ele acaba quando os cuidados se tornam inúteis; no homem ele persiste por toda a vida e contém um devotamento e uma abnegação que são virtudes; sobrevive até mesmo à morte e acompanha o filho no além-túmulo. Vocês bem podem ver que há nele outra coisa do que há nos animais.” (Ver as questões 205 a 385.)

395 – O Livro dos Espíritos

891. Já que o amor materno faz parte da natureza, por que existem mães que odeiam os filhos e isso às vezes desde o nascimento destes?

“Às vezes é uma prova escolhida pelo Espírito do filho, ou uma expiação se ele mesmo foi um mau pai, ou uma mãe malvada, ou ainda um mau filho noutra existência (Ver a questão 392). Em todos os casos a mãe malvada não pode deixar de ser animada por um Espírito malvado que procura atrapalhar o Espírito do filho a fim de que ele falhe na prova que desejou; mas essa violação das leis da natureza não ficará impune e o Espírito do filho será recompensado pelos obstáculos que tenha superado.”

892. Quando os pais têm filhos que lhes causam desgostos, eles não são desculpáveis por não terem pelos filhos a mesma ternura que teriam em caso contrário?

“Não, porque esse é um encargo que lhes é confiado e a missão deles consiste em fazer todos os esforços para reconduzir os filhos ao bem (Ver as questões 582 a 583). Porém, muitas vezes esses desgostos são a consequência do mau costume que os pais deixaram que seus filhos seguissem desde o berço. Então, eles colhem o que plantaram.”

396 – Allan Kardec

CAPÍTULO XII

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