875-a. — O que é que determina esses direitos?
“Os direitos são determinados por duas coisas: a lei humana e a lei
389 – O Livro dos Espíritos
natural. Como os homens fizeram leis apropriadas aos seus costumes e ao seu caráter, essas leis estabeleceram direitos que puderam variar com o progresso das luzes. Vejam se hoje as vossas leis — sem serem perfeitas — consagram os mesmos direitos que as da Idade Média: aqueles direitos obsoletos, que agora parecem monstruosos, pareciam justos e naturais naquela época. Então, o direito estabelecido pelos homens nem sempre está conforme a justiça. Além disso, ele não regula mais do que algumas relações sociais, ao passo que, na vida particular, há uma série de atos que são exclusivamente da competência do tribunal da consciência.”
876. Fora o direito consagrado pela lei humana, qual é a base da justiça fundada na lei natural?
“O Cristo já vos disse: Querer para os outros aquilo que vocês querem
para si mesmos. Deus depositou no coração do homem a regra de toda a verdadeira justiça pelo desejo de cada um de ver os seus direitos respeitados.
Na dúvida do que deva fazer com relação ao seu semelhante em qualquer circunstância, que o homem se pergunte o que ele desejaria que lhe fizessem em uma circunstância similar: Deus não poderia lhe dar um guia mais seguro do que a própria consciência.”
O critério da verdadeira justiça, de fato, é querer para os outros o que se desejaria para si mesmo, e não esse: querer para si o que se desejaria para os outros — o que não é exatamente a mesma coisa. Como não é natural desejar o mal para si, tomando o seu desejo pessoal como norma ou ponto de partida, estaremos sempre certos de jamais desejar senão o bem para o próximo. Em todos os tempos e em todas as crenças, o homem sempre tem procurado fazer prevalecer o seu direito pessoal; o sublime da religião cristã foi tomar o direito pessoal por base
do direito do próximo.
877. A necessidade para o homem de viver em sociedade lhe impõe obrigações particulares?
“Sim, e a primeira de todas é respeitar os direitos dos seus semelhantes; aquele que respeitar esses direitos será sempre justo. No vosso mundo, onde
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tantos homens não praticam a lei de justiça, cada um usa de represálias, e essa é a causa da perturbação e da confusão da vossa sociedade. A vida social concede direitos e impõe deveres recíprocos.”
878. Podendo o homem se enganar quanto à extensão do seu direito, o que é que pode lhe fazer conhecer o limite desse direito?
“O limite do direito que ele reconhece para seus semelhantes com relação a ele nas mesmas circunstâncias e reciprocamente.”
878-a. — Mas se cada um atribuir para si os direitos do seu semelhante, o que será da subordinação aos superiores? Isso não seria a anarquia de todos os poderes?
“Os direitos naturais são os mesmos para todos os homens, desde o menor até o maior. Deus não fez uns de barro mais puro do que os outros, e todos são iguais perante ele. Esses direitos são eternos; os que o homem estabeleceu perecem com as suas instituições. De resto, cada um sente bem a sua força ou a sua fraqueza e saberá sempre ter um tipo de deferência para com os que o mereçam por sua virtude e sua sabedoria. É importante acentuar isto, para que aqueles que se julgam superiores conheçam seus deveres para merecer essas deferências. A subordinação não ficará comprometida quando a autoridade for deferida à sabedoria.”
879. Qual seria o caráter do homem que praticasse a justiça em toda a sua pureza?
“O verdadeiro justo, a exemplo de Jesus, pois assim praticaria o amor ao próximo e à caridade, sem os quais não há verdadeira justiça.”
Direito de propriedade. Roubo
880. Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?
“O de viver. Por isso é que ninguém tem o direito de atentar contra a
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vida do seu semelhante, nem de fazer o que possa comprometer a sua existência corporal.”
881. O direito de viver dá ao homem o direito de acumular os bens de que necessite para viver e repousar quando não puder mais trabalhar?
“Dá sim, mas ele deve fazer isso em família, como a abelha, por meio de um trabalho honesto, e não acumular como um egoísta. Até mesmo certos animais lhe dão o exemplo da previdência.”
882. Teria o homem o direito de defender aquilo que ele tenha conseguido juntar pelo seu trabalho?
“Disse Deus: ‘Não roubarás’, não disse? E Jesus: ‘É preciso dar a César o que pertence a César!’, não foi isso?’"
O que o homem ajunta mediante um trabalho honesto constitui uma legítima propriedade que ele tem o direito de defender, pois a propriedade que é fruto do trabalho é um direito natural tão sagrado quanto o de trabalhar e o de viver.
883. O desejo de possuir faz parte da natureza?
“Sim; mas quando for somente para si mesmo e para a sua satisfação pessoal, isso é egoísmo.”
883-a. — Entretanto, o desejo de possuir não seria legítimo, visto que aquele que tem do que viver não é um fardo para ninguém?
“Há pessoas insaciáveis e que acumulam bens sem utilidade para ninguém, ou para saciar suas paixões. Você acha que isso seja bem-visto por Deus? Aquele que, ao contrário, junta através do seu trabalho, tendo em vista ajudar os seus semelhantes, este sim pratica a lei de amor e de caridade, e o seu trabalho é abençoado por Deus.”
884. Qual é a característica da legítima propriedade?
“Não há propriedade legítima a não ser aquela que foi adquirida sem prejuízo para os outros.” (Ver a questão 808.)
A lei de amor e de justiça nos proíbe de fazermos aos outros aquilo que não queremos que eles nos façam, por isso mesmo condena todos os meios de
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aquisição que sejam contrários a essa lei.
885. O direito de propriedade é limitado?