embora vocês conheçam poucos deles, porque a virtude não procura a claridade do dia. Desde que haja um destes homens, por que não haveria dez?
Havendo dez, por que não haveria mil, e assim por diante?”
916. Longe de diminuir, o egoísmo cresce com a civilização, que parece até
404 – Allan Kardec
excitá-lo e mantê-lo. Como a causa poderia destruir o efeito?
“Quanto maior é o mal, mais ele se torna aterrorizante. Era preciso que o egoísmo produzisse muito mal para fazer que se compreenda a necessidade de extirpá-lo. Quando os homens tiverem se depurado do egoísmo que os domina eles viverão como irmãos, sem se fazerem mal algum, auxiliando-se reciprocamente pelo sentimento mútuo da solidariedade. Então, o forte será o amparo e não o opressor do fraco, e não veremos mais homens carentes do necessário, porque todos praticarão a lei de justiça. Esse é o reino do bem que os Espíritos estão encarregados de preparar.” (Ver a questão 784.) 917. Qual é o modo de destruir o egoísmo?
“De todas as imperfeições humanas, a mais difícil de se desenraizar é o egoísmo, porque ele deriva da influência da matéria, da qual o homem —
ainda muito próximo de sua origem — não pôde se libertar, e para essa influência tudo contribui para mantê-la: as leis, a organização social e a educação de vocês. O egoísmo se enfraquecerá com a predominância da vida moral sobre a vida material e, sobretudo, com a inteligência que o espiritismo vos oferece sobre o vosso estado futuro real, e não desnaturado por ficções alegóricas; o espiritismo bem compreendido, quando for identificado com os costumes e as crenças, então transformará os hábitos, as práticas e as relações sociais. O egoísmo se fundamenta na importância da personalidade. Ora, o espiritismo — bem compreendido, repito — faz ver as coisas de tão alto que o sentimento da personalidade desaparece, de algum modo, diante da imensidade. Destruindo essa importância, ou pelo menos mostrando-a como ela é, o espiritismo necessariamente combate o egoísmo.
“A mágoa que o homem experimenta do egoísmo dos outros é o que muitas vezes o torna propriamente um egoísta, por sentir a necessidade de colocar-se na defensiva. Ao notar que os outros pensam em si próprios e não nele, então ele é levado a se preocupar consigo mais do que com os outros.
Que o princípio da caridade e da fraternidade seja a base das instituições sociais, das relações legais de povo para povo e de homem para homem, e cada um pensará menos em si mesmo ao ver que os outros pensaram nele. Ele sentirá a influência moralizadora do exemplo e do contato. Na presença desse
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extravasamento de egoísmo, é preciso uma verdadeira virtude para fazer abnegação da sua personalidade em favor dos outros, que geralmente não sabem agradecer. É principalmente para os que possuem essa virtude que o reino dos céus está aberto, a esses sobretudo é que está reservada a felicidade dos eleitos, pois em verdade vos digo que, no dia da justiça, quem tiver pensado exclusivamente em si mesmo será deixado de lado e sofrerá pelo seu abandono.” (Ver a questão 785.)
FÉNELON
De fato, esforços louváveis estão sendo feitos para o avanço da humanidade;
encorajam-se, estimulam-se, honram-se os bons sentimentos mais do que em qualquer outra época e, entretanto, o verme roedor do egoísmo continua sempre sendo a praga social. É um mal real que recai sobre todo o mundo, do qual cada um é mais ou menos vítima. É preciso então combatê-lo como se combate uma doença epidêmica. Para isso, deve-se proceder à maneira dos médicos: remontar à origem.
Que procuremos assim em todas as partes da organização social, desde a família até os povos, desde o barraco até os palácios, todas as causas, todas as influências ostensivas ou escondidas que excitam, que mantêm e que desenvolvem o sentimento do egoísmo. Uma vez conhecidas as causas, o remédio se apresentará por si mesmo; restará simplesmente combatê-las, senão todas de uma vez, pelo menos parcialmente, e pouco a pouco o veneno será eliminado. A cura poderá ser demorada, porque as causas são numerosas, mas ela não é impossível. Isso não acontecerá de fato se o mal não for atacado pela raiz — ou seja, pela educação; não essa educação que tende a fazer homens instruídos, mas a que tende a fazer homens de bem. Quando bem assimilada, a educação é a chave do progresso moral;
quando conhecermos a arte de manejar as índoles como conhecemos a de manejar as inteligências, poderemos endireitá-las, como endireitamos as plantas novas; mas essa arte exige muito tato, muita experiência e uma profunda observação; é um grave erro acreditar que basta ter a ciência para exercê-la com proveito. Quem acompanha tanto o filho do rico como o do pobre desde o instante do nascimento e que observa todas as influências perniciosas que reagem sobre ele — por consequência da fraqueza, do desleixo e da ignorância daqueles que o dirigem — e quantas vezes os meios empregados para moralizá-lo levam ao erro, não pode se espantar em encontrar no mundo tantos transviados. Façamos pela moral tanto quanto temos feito pela inteligência e veremos que, se existem naturezas
406 – Allan Kardec
refratárias, há — mais do que se pensa — aquelas que pedem apenas uma boa semeadura para produzir bons frutos. (Veja a questão 872.)
O homem deseja ser feliz e esse sentimento é natural; por isso ele trabalha sem parar para melhorar sua posição na Terra; ele procura a causa de seus males a fim de remediá-los. Quando ele compreender bem que o egoísmo é uma dessas causas, aquela que gera o orgulho, a ambição, a cobiça, inveja, ódio e o ciúme, do qual a cada instante ele fica magoado, que traz a perturbação a todas as relações sociais, que provoca as desavenças, que destrói a confiança, que o obriga a se manter constantemente na defensiva contra seu vizinho, que enfim, faz do amigo um inimigo, então ele compreenderá também que esse vício é incompatível com sua própria felicidade — e nós ainda acrescentamos: é incompatível com sua própria segurança. E quanto mais ele sofrer com isso, mais sentirá a necessidade de combatê-lo, assim como combate a peste, os animais nocivos e todos os outros flagelos; ele será levado a agir assim pelo seu próprio interesse. (Ver questão 784.) O egoísmo é a fonte de todos os vícios, assim como a caridade é a fonte de todas as virtudes; destruir um e desenvolver o outro, esse deve ser o objetivo de todos os esforços do homem, se ele quiser assegurar sua felicidade — tanto aqui na Terra quanto no porvir.
Características do homem de bem
918. Por quais sinais podemos reconhecer em um homem o progresso real que deve elevar o seu Espírito na hierarquia espírita?
“O Espírito prova a sua elevação quando todos os atos de sua vida corporal representam a prática da lei de Deus e quando ele compreende por antecipação a vida espiritual.”
O verdadeiro homem de bem é aquele que pratica a lei de justiça, de amor e de caridade na sua maior pureza. Se interrogar a própria consciência sobre os atos praticados, ele se perguntará se não transgrediu essa lei, se não fez o mal, se fez todo o bem que podia, se ninguém tem de que se queixar dele, enfim se ele fez aos outros tudo aquilo que desejaria que os outros lhe fizessem.
Penetrado do sentimento de caridade e de amor ao próximo, o homem faz o bem pelo bem sem esperar nenhum retorno, e sacrifica seus interesses pela justiça.
Ele é bondoso, humanitário e benevolente para com todos, porque vê irmãos
407 – O Livro dos Espíritos
em todos os homens, sem distinção de raças nem de crenças.
Se Deus lhe concedeu o poder e a riqueza, ele considera essas coisas como UM
DEPÓSITO, do qual ele deve usar para o bem. Não se envaidece delas, por saber que se Deus lhe deu essas coisas, ele também lhe pode retirá-las.
Se as circunstâncias sociais colocaram outros homens sob a sua dependência, ele os trata com bondade e complacência, porque são seus iguais perante Deus. Ele usa da sua autoridade para levantar o moral deles, e não para esmagá-los com o seu orgulho.
Ele é indulgente para com as fraquezas alheias, pois sabe que também precisa da indulgência dos outros e se lembra destas palavras do Cristo: Que aquele que
estiver sem pecado atire a primeira pedra.
Ele não é vingativo; a exemplo de Jesus, ele perdoa as ofensas para só se lembrar das benfeitorias, porque sabe que ele será perdoado conforme também
tenha perdoado.
Enfim, ele respeita nos seus semelhantes todos os direitos que as leis da natureza lhes concedem, como ele gostaria que todos respeitassem os seus.
Conhecimento de si mesmo
919. Qual é a maneira prática e mais eficaz para se melhorar nesta vida e para resistir à atração do mal?
“Um sábio da antiguidade já vos disse: Conheça a ti mesmo.”
919-a. — Nós conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer a si mesmo. Qual é o meio de chegar a isso?