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A fortes braços de anjos sojigado. O digo? Os outros, a em passo em passo, usufruíam quinhão da minha andraja coragem.

Rasgamos sertão. Só o real. Se passou como se passou, nem refiro que fosse difícil-ah; essa vez não podia ser! Sobrelégios?

Tudo ajudou a gente, o caminho mesmo se economizava. As estrelas pareciam muito quentes. Nos nove dias, atravessamos.

Todos; bem, todos, tirante um. Que conto.

O que era – que o raso não era tão terrível? Ou foi por graças que achamos todo o carecido, nãostante no ir em rumos incertos, sem mesmo se percurar? De melhor em bom, sem os maiores notáveis sofrimentos, sem em-errar ponto. O que era, no cujo interior, o Liso do Suçuarão? – era um feio mundo, por si, exagerado. O chão sem se vestir, que quase sem seus tufos de

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas capim seco em apraz e apraz, e que se ia e ia, até nãoonde a vista não se achava e se perdia. Com tudo, que tinha de tudo. Os trechos de plano calçado rijo: casco que fere faíscas – cavalo repisa em pedra azul. Depois, o frouxo, palmo de areia de cinza em-sobre pedras. E até barrancos e morretes. A gente estava encostada no sol. Mas, com a sorte nos mandada, o céu enuveou, o que deu pronto mormaço, e refresco. Tudo de bom socorro, em az. A uns lugares estranhos. Ali tinha carrapato... Que é que chupavam, por seu miudinho viver? Eh, achamos reses bravas –

gado escorraçado fugido, que se acostumaram por lá, ou que de lá não sabiam sair; um gado que assiste por aqueles fins, e que como veados se matava. Mas também dois veados a gente caçou

– e tinham achado jeito de estarem gordos... Ali, então, tinha de tudo? Afiguro que tinha. Sempre ouvi zum de abelha. O dar de aranhas, formigas, abelhas do mato que indicavam flores.

Todo o tanto, que de sede não se penou demais. Porque, solerte subitamente, pra um mistério do ar, sobrechegamos assim, em paragens. No que nem o senhor nem ninguém não crê: em paragens, com plantas.

De justiça, digo, também: uma regra se teve, sem se saber de quem foi que veio a idéia dessa combinação. Qual foi que a

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas gente se apartou, em grupos de poucos, jornadeando com a maior distância aberta. Mas que, assim, quando um avistasse qualquer coisa diversa, podia dar sinal, chamando os outros para novidade boa.

Eu que digo. Mesmo, não era só capim áspero, ou planta peluda como um gambá morto, o cabeça-de-frade pintarroxa, um mandacaru que assustava. Ou o xiquexique espinharol, cobrejando com suas lagartonas, aquilo que, em chuvas, de flor dói em branco. Ou cacto preto, cacto azul, bicho luís-cacheiro.

Ah, não. Cavalos iam pisando no quipá, que até rebaixado, esgarço no chão, e começavam as folhagens – que eram urtigão e assa-peixe, e o neves, mas depois a tinta-dos-gentios de flor belazul, que é o anil-trepador, e até essas sertaneja-assim e a maria-zipe, amarelas, pespingue de orvalhosas, e a sinhazinha, muito melindrosa flor, que também guarda muito orvalho, orvalho pesa tanto: parece que as folhas vão murchar. E erva-curraleira... E a quixabeira que dava quixabas.

Digo – se achava água. O que não em-apenas água de touceira de gra vatá, conservada. Mas, em lugar onde foi córrego morto, cacimba d’água, viável, para os cavalos. Então, alegria. E

tinha até uns embrejados, onde só faltava o buriti: palmeira alalã

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

– pelas veredas. E buraco-poço, água que dava prazer em se olhar. Devido que, nas beiras – o senhor crê? – se via a coragem de árvores, árvores de mata, indas que pouco altaneiras: simaruba, o anis, canela-do-brejo, pau-amarante, o pombo; e gameleira. A gameleira branca! Como outro-tempo se cantava: Sombra, só de gameleira,

na beira do riachão...

Assim achado, tudo, e o mais, sem sobranço nem desgosto, eu apalpei os cheios. O respeito que tinham por mim ia crescendo no bom entendido dos meus homens. Os jagunços meus, os riobaldos, raça de UrutuBranco. Além! Mas, daí, um pensamento – que raro já era que ainda me vinha, de fugida, esse pensamento – então tive. O senhor sabe. O que me mortifica, de tanto nele falar, o senhor sabe. O demo! Que tanto me ajudasse, que quanto de mim ia tirar cobro? - “Deixa, no fim me ajeito...”

– que eu disse comigo. Triste engano. Do que não lembrei ou não conhecesse, que a bula dele é esta: aos poucos o senhor vai, crescendo e se esquecendo...

Daí, mesmo, que, certa hora, Diadorim se chegou, com uma avença. Para meu sofrer, muito me lembro. Diadorim, todo formosura.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

- “Riobaldo, escuta: vamos na estreitez deste passo...” – ele disse; e de medo não tremia, que era de amor – hoje sei.

- “... Riobaldo, o cumprir de nossa vingança vem perto...

Daí, quando tudo estiver repago e refeito, um segredo, uma coisa, vou contar a você...” Ele disse, com o amor no fato das palavras. Eu ouvi. Ouvi, mas mentido. Eu estava longe de mim e dele. Do que Diadorim mais me disse, desentendi metade.

Só sei que, no meio reino do sol, era feito parássemos numa noite demais clareada. Assim figuro. Dentro de muito sol, eu estava reparando uma cena: que era um jumentinho, um jegue já selvagem caatingano, no limpo do campo caçando o que roer, assaz pelos cardos.

Eu não tinha de tomar tento em coisas mais graves? Mire veja o senhor. Picapau voa é duvidando do ar. Que tal Zé Bebelo

– na hora me lembrei – quando mal irado, ou quando conforme querendo impor medo a todos: - “Norte de Minas! Norte de Minas...!”-o que bramava. E ele estava com a razão. Mas Zé Bebelo era projetista. Eu, eu ia por meu constante palpite.

Usando de toda ajuda que me vinha, mas prevenido sempre contra o Maligno: que o que rança, o que azeda. As traças dele

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas são novas sempre, e povoadas tantas, são que nem os tins de areia grãoindo em areal. Então eu não sabia?!

Ah, quase que eu estava cogitando nisso, quando o homem rosnou. Quem ele era, digo, em qualidade: um, troncudo, pardaz, genista, filho não sei de que terra. Assim, casta de gente?

Ah, não. Por meu bem, eu estava em todo o meu siso. Até mais. “Não faço caso!” – eu disse, isto é: pensei dizendo. Eu não queria somar com aquilo nenhum; porque cheirava ao Cujo: esses estratagemas. Era do demo... – eu tirei um enredo. “Pois, então, paz...” – eu falei, me falei. “... Não faço conta...” – me prometi.

Eu estava em manhas. Estive que estive no embalançar, em equilibrável. Tico tanto pensei. Mas tudo era frisado ligeiro, ligeiro, feito cavalo que pressente fúria de boi.

Aí escutei a voz – a voz dele tremia nervosa, como de cabrito; da maneira que gritou – à briga. Um desfeliz. Levei os olhos.

Ah, quem o homem era, eu já sabia, ele se chamava Treciziano. O bruto; para falar com ele, só a cajado. Eu sabia.

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