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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas

“Ah, pois nem eu não quero mais não, minha senhora dona. Não estou de maneira.” E, sem ser de propósito, até botei mau-olhado num menino pequeno, que estava perto.

Que assim viemos. Mas, conto ao senhor as coisas, não conto o tempo vazio, que se gastou. E glose: manter firme uma opinião, na vontade do homem, em mundo transviável tão grande, é dificultoso. Vai viagens imensas. O senhor faça o que queira ou o que não queira – o senhor todaa-vida não pode tirar os pés: que há-de estar sempre em cima do sertão. O senhor não creia na quietação do ar. Porque o sertão se sabe só por alto.

Mas, ou ele ajuda, com enorme poder, ou é traiçoeiro muito desastroso. O senhor...

Tomei mais certeza da minha chefia. Quer ver que eu tinha deixado de parte todas as minhas dúvidas de viver, e que apreciava o só-estar do corpo, no balanço daqueles dias temperados tão bem, quando o céu varreu. Dias tão claros. Tanto que as cigarras chiavam em grosas; e de que tal-arte valessem por um atraso das chuvas do ano, alguns já queriam desejar. Não foi.

Mas eu cria por mim nas melhores profecias. E sempre dei um trato respeitável amistoso aos homens de valia mais idosa, vigentes no sério de uma responsabilidade mais costumeira.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Esses eram João Goanhá, Marcelino Pampa, João Concliz, Alaripe e outros uns restantes – que mereciam de si; e não me esqueci das praxes. Tirante que não pedi conselhos. Mas não houvesse; mas, pedir conselho – é não ter paciência com a gente mesmo; mal hajante... Nem não contei meus projetados. O Rio Urucuia sai duns matos – e não berra; desliza: o sol, nele, é que se palpita no que apalpa. Minha vida toda... E refiro que fui em altos; minha chefia.

Diadorim mesmo mal me entendeu. Qual que recordo, foi num durante de tarde, a incertas horas, quando se vinha por um selado, estirão escampante. Nós dois em dianteira, par de homens; um diabo de calor; e os cavalos pisavam légua destinada de cristal e malacachetas. Céu e céu em azul, ao deusdar. O

senhor vá ver, em Goiás, como no mundo cabe mundo.

E o que Diadorim me disse principiou deste jeito assim: que perguntou, esconso, se eu queria aquela guerra completamente. Tal achei áspero – que ele me condenava o vir dando tantas voltas, em vez de reto para topar o inimigo ir.

Remeniquei:

– “Uai, Diadorim, pois você mesmo não é que é o dono da empreita?!” – e, mais, meio debiquei, com estas: – “Que eu,

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas vencendo vou, é menos feito Guy-de-Borgonha...” Acho que, as palavras que eu disse, agora não estou trastejando...

Mas Diadorim repuxou freio, e esbarrou; e, com os olhos limpos, limpos, ele me olhou muito contemplado. Vagaroso, que dizendo:

– “Riobaldo, hoje-em-dia eu nem sei o que sei, e, o que soubesse, deixei de saber o que sabia...”

Demorei que ele mesmo por si pudesse pôr explicação. E

foi ele disse: – “Por vingar a morte de Joca Ramiro, vou, e vou e faço, consoante devo. Só, e Deus que me passe por esta, que indo vou não com meu coração que bate agora presente, mas com o coração de tempo passado... E digo...”

Afirmo que não colhi a grã do que ele disse, porque naquela hora as idéias nossas estavam descompassadas surdas, um do outro a gente desregulava. E o tom mesmo de sério que ele impunha rumou meu pensamento para outros pontos: o Urucuia

– lá onde houve matas sem sol nem idade. A Mata-de-São-Miguel é enorme – sombreia o mundo... E Diadorim podia ter medo? –

duvidei. Eu sempre sabia: um dia, o medo consegue subir, faz

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas oco no ânimo do mais valente qualquer... Com tanto, eu fui e disse:

– “Tudo na vida cumpre essa regra...”

Duvidei pouco. Diadorim não temia. O que ele não se vexou de me dizer:

– “Menos vou, também, punindo por meu pai Joca Ramiro, que é meu dever, do que por rumo de servir você, Riobaldo, no querer e cumprir...’ Nem considerei. – “É, o Hermógenes tem de acabar!” – eu disse. Diadorim, ia ter certas lágrimas nos olhos, de esperança empobrecida. Me mirava, e não atinei. Será que até eu achasse uma devoção dele merecida trivial?

Certo seja. Não dividi as finuras. Mas, também, afiguro que responder mais não pude, por motivos de divertência. Qual que, na hora, deu de dar, diante, um desvôo de tanajuras, que pelas grandes quantidades delas, desabelhadas, foi coisa muito valente, para mim foi o visto nunca visto: em riscos, zunindo como enchiam o ar, caintes então, porque a lei delas é essa, como porque o corpo traseiro pesa tão bojudo, ovado, bichão maduro, elas não agüentam o arco de voar, iam semeando palmos de chão, de preto em acobreadas, e tudo mesmo cheirava à natureza delas, cheiro cujo que de limão ruivo que se assasse na chapa.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Bagos dessas, muito mundialmente... Caso que os cavalos se espantavam, uns na só cisma até refugando. E o menino Guirigó, de ver mais que todos, tocou cá para adiante, com gritos e arteirices, tão entusiasmável; como tanto aprovei, porque o menino Guirigó do Sucruiú eu tinha botado viajante comigo era mesmo para ele saber do mundo. Mas o esbagoar estirante das tanajuras vinha para toda parte, mesmo no meio da gente, chume-chume, fantasiado duma chuva de pedras, e elas em tudo caíam, e perturbavam, nos ombros dos homens, e no pêlo dos animais. Como digo que eu mesmo a tapas enxotei muitas, e outras que depois tive de sacudir fora da croa de meu chapéu, por asseio. Içá, savitu: já ouvi dizer que homem faminto come frita com farinhas essa imundície... E os pássaros, eles sim, gaviãozinho, que no campo esmeirinhavam, havendo com o que encher os papos. Mas bem porém que cada tanajura, mal ia dando com o chão, no desabe, sabia que tinha de furar um buraco ligeirinho e se sumir desaparecida na terra, sem escolha de sorte, privas de suas asas, que elas mesmas já de si picavam desfolhadas, feito papelzinho. Isso é dos bichos do mundo; uso.

Mas, então, quando mirei e não vi, Diadorim se desaportou de meus olhos. Afundou no grosso dos outros. Ai-de! hei: e eu tinha mal entendido.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas E o senhor tenha bons estribos: que informo que o que disse se deu bem em antes dele Diadorim ter tido a conversa com a mulher do Hermógenes. Que agora, do que sei, vou tosquejar.

Como de fato, desamarrou o tempo. Formou muita chuva.

Com assim, emendados chovidos três dias, então certificamos de permanecer esse tempo em prédio, e enchemos a Fazenda Carimã, que era de um denominado Timóteo Regimildiano da Silva; do Zabudo, no vulgar. Esse constituía parentesco proximado com os Silvalves, paracatuanos, cujos tiveram sesmarias, na confrontação das divisas, das duas bandas iguais. Do Zabudo: o senhor preste atenção no homem, para ver o que é um ser esperto.

Primeiro, encontramos de repente com ele, quando se ia por um assente – chapadazinha dessas, de capim fraco. Conciso já principiava a chuviscar, e eu estava pensando: que, por ali, menos longe, algum rancho ou alguma casa de sitiante havia de vagar. Nessa mesma horinha, o tal se apareceu. Conforme vinha, num cavalo baio, com uma daquelas engraçadas selas cutucas, que eles usam, e introduzido em botas-de-montar muito boas, dessas de couro de sucuriju, de que eles faziam antigamente. No natural, que foi ele ver a gente e levou choque.

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João Guimarães Rosa - Grande Sertão: Veredas Instantezinho, porém, se converteu. Isto, que se desapeou, ligeiro, e tirou o chapéu, com cortesia mor, com gesto de braço, e manifestou:

– “Senhores meus cavaleiros, podem passar, sem susto e com gosto, que aqui está é um amigo...”

– “Amigo de quem?” – eu revidei.

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