Não; realmente é imprudente vir assim tantas vezes. Era melhor não vir tanto. Pode-se saber..
Basílio encolheu os ombros, contrariado:
—
Se queres não venhas.
Luísa olhou-o um momento, e curvando-se profundamente:
—
Obrigada!
Ia a pôr o chapéu, mas ele veio prender-lhe as mãos; abraçou-a, murmurando:
—
Pois tu falas em não vir! E eu, então? Eu que estou em Lisboa pela tua causa. .
—
Não, realmente dizes às vezes coisas. . tens certos modos... Basílio abafou-lhe as palavras com beijos.
—
Ta, ta, ta! Nada de questões! Perdoa. Estás tão linda. .
Luísa, ao voltar para casa, veio a refletir naquela cena. Não — pensava —, já não era a primeira vez que ele mostrava um desprendimento muito seco por ela, pela sua reputação, pela sua saúde! Queria-a ali todos os dias, egoistamente. Que as más línguas falassem; que as soalheiras a matassem, que lhe importava? E para quê?... Porque enfim, saltava aos olhos, ele amava-a menos.. As suas palavras, os seus beijos arrefeciam cada dia, mais e mais!. . Já não tinha aqueles arrebatamentos do desejo em que a envolvia toda numa carícia palpitante, nem aquela abundância de sensação que o fazia cair de joelhos com as mãos trémulas como as de um velho!.. Já se não arremessava para ela, mal ela aparecia à porta, como sobre uma presa estremecida!. . Já não havia aquelas conversas pueris, cheias de risos, divagadas e tontas, em que se abandonavam, se esqueciam, depois da hora ardente e física, quando ela ficava numa lassitude doce, com o sangue fresco, a cabeça deitada sobre os braços nus! — Agora! Trocado o último beijo, acendia o charuto, como num restaurante ao fim do jantar! E ia logo a um espelho pequeno que havia sobre o lavatório dar uma penteadela no cabelo com um pentezinho de algibeira. (O
que ela odiava o pentezinho!) As vezes até olhava o relógio!. . E enquanto ela se arranjava não vinha, como nos primeiros tempos, ajudá-la, pôr-lhe o colarinho, picar-se nos seus alfinetes, rir em volta dela, despedir-se com beijos apressados da nudez dos seus ombros antes que o vestido se apertasse. Ia rufar nos vidros — ou sentado, com um ar macambúzio, bamboleava a perna!
E depois positivamente não a respeitava, não a considerava. . Tratava-a por cima do ombro, como uma burguesinha, pouco educada e estreita, que apenas conhece o seu bairro. E um modo de passear, fumando, com a cabeça alta, falando no "espírito de madame de tal", nas "toaletes da condessa de tal"!
Como se ela fosse estúpida, e os seus vestidos fossem trapos! Ah, era secante!
E parecia, Deus me perdoe, parecia que lhe fazia uma honra, uma grande honra na possuir.. Imediatamente lembrava-lhe Jorge, Jorge que a amava com tanto respeito! Jorge, para quem ela era decerto a mais linda, a mais elegante, a mais inteligente, a mais cativante!. . E já pensava um pouco que sacrificara a sua tranquilidade tão feliz a um amor bem incerto!
Enfim, um dia que o viu mais distraído, mais frio, explicou-se abertamente com ele. Direita, sentada no canapé de palhinha, falou com bom senso, devagar, com um ar digno e preparado: Que percebia bem que ele se aborrecia; que o seu grande amor tinha passado; que era portanto humilhante para ela verem-se nessas condições, e que julgava mais digno acabarem..
Basílio olhava-a, surpreendido da sua solenidade; sentia um estudo, uma afetação naquelas frases; disse muito tranquilamente, sorrindo:
—
Trazias isso decorado!
Luísa ergueu-se bruscamente; encarou-o, teve um movimento desdenhoso dos lábios.
—
Tu estás doida, Luísa?
—
Estou farta. Faço todos os sacrifícios por ti; venho aqui todos os dias; comprometo-me, e para quê? Para te ver muito indiferente, muito secado...
—
Mas meu amor. .
Ela teve um sorriso de escárnio.
—
Meu amor! Oh! São ridículos esses fingimentos!
Basílio impacientou-se.
—
Já isso cá me faltava, essa cena! — exclamou impetuosamente. E
cruzando os braços diante dela: — Mas que queres tu? Queres que te ame como no teatro, em São Carlos? Todas sois assim! Quando um pobre diabo ama naturalmente, como todo o mundo, com o seu coração, mas não tem gestos de tenor, aqui del rei que é frio, que se aborrece, é ingrato.. Mas que queres tu? Queres que me atire de joelhos, que declame, que revire os olhos, que faça juras, outras tolices?
—
São tolices que tu fazias. .
—