Não é coisa de política?
—
Não! — fez Sebastião.
O comissário embrulhou mais os pés no cobertor, rolou em redor os olhos, ferozmente:
—
Nem toca com gente graúda?
—
Qual!
—
Um policia para se mostrar.. — ruminava o Vicente. — Tu és um homem de bem. . Dá cá aquela pasta de cima da cómoda.
Tirou um papel pautado, examinou, acavalando a luneta no nariz, meditou com a mão em garra sobre a testa:
—
O Mendes... Serve-te o Mendes?
Sebastião, que não conhecia o Mendes, acudiu logo:
—
Sim, quem quiseres. É só para se mostrar..
—
O Mendes. E um homenzarrão. É sério, foi da Guarda.
Fez-lhe aproximar o tinteiro; escreveu devagar a ordem; releu-a duas vezes; cortou os tt, secou-a à chaminé do candeeiro; e dobrando-a com solenidade:
—
À segunda divisão!
—
Obrigado, Vicente. É um grande favor. . Obrigado. E agasalha-te, homem. E não te esqueças: água sulfúrica da Farmácia Azevedo na Rua de São Roque; meia chávena de leite fervido.. E obrigado. Não queres nada, hem? ar
—
Não. Dá uma placa ao Mendes. É sério, foi da Guarda!
—
E acavalando as lunetas retomou o Homem dos três calções.
Sebastião daí a meia hora, seguido do robusto Mendes, que marchava militarmente, com os braços um pouco arqueados, encaminhava-se para casa de Jorge. Não tinha ainda um plano definido. Calculava naturalmente que Juliana vendo àquela hora da noite, o polícia com o seu terçado, se aterraria, imaginaria Boa Hora, o Limoeiro, a costa da África, entregaria as cartas, pediria misericórdia! E depois? Pensava vagamente em lhe pagar a passagem para o Brasil, ou dar-lhe quinhentos mil réis para ela se estabelecer longe, na província... O essencial era aterrá-la!
Juliana com efeito, depois de abrir a porta, apenas viu subir, atrás de Sebastião o policia, fez-se muito amarela, exclamou:
—
Credo! Que temos nós?
Estava embrulhada num xale preto, e o candeeiro de petróleo, que ela erguia, prolongava na parede a sombra disforme da cuia.
—
Ó Sra. Juliana, faça o favor de acender luz na sala — disse Sebastião tranquilamente.
Ela fixava no polícia um olhar faiscante e inquieto.
—
Ó senhor, que aconteceu? Credo! Os senhores não estão em casa. Eu se soubesse nem tinha aberto. . Há alguma novidade? Olha o propósito!
—
Não é nada. . — disse Sebastião, abrindo a porta da sala. — Tudo em paz.
. . Ele mesmo acendeu com um fósforo uma vela na serpentina — que fez sair vagamente da sombra os dourados dos caixilhos das gravuras, a pálida face do retrato da mãe de Jorge, um reflexo de espelho.
—
Ó Sr. Mendes, sente-se, sente-se!
O Mendes colocou-se à beira da cadeira com a mão na cinta, o terçado entre os joelhos, muito soturno.
—
Esta é que é a pessoa — disse Sebastião indicando Juliana, que ficara à porta da sala atónita.
A mulher recuou, lívida:
—
Ó senhor Sebastião, que brincadeira é esta?
—
Não é nada, não é nada. .