A Juliana, que lhe rebentou o aneurisma — disse a voz de Julião da sombra da porta.
—
Oh, com os diabos! — E Jorge atarantado procurava à pressa na algibeira troco para o cocheiro.
—
Ai, eu já não entro! — exclamou logo D. Felicidade, mostrando à portinhola a sua larga face envolvida numa manta branca. — Eu já não entro!
—
Nem eu! — fez Luísa toda trémula.
—
Mas para onde queres que vamos, filha? — exclamou Jorge.
Sebastião lembrou que podiam ir para casa dele. Tinha o quarto da mamã, era só pôr lençóis na cama.
—
Vamos, sim! Vamos, Jorge! É o melhor! — suplicou Luísa.
Jorge hesitava. A patrulha que ia passando ao alto da rua, ao ver aquele grupo junto à lanterna do trem, parou. E Jorge enfim, instado, muito contrariado, consentiu.
—
Diabo de mulher, morrer a semelhante hora! A carruagem vai-a levar, D. Felicidade..
—
E a mim, que estou em chinelas! — acudiu Julião.
D. Felicidade lembrou então, como cristã, que era necessário alguém, para velar a morta. .
—
Ora, pelo amor de Deus, D. Felicidade! — exclamou Julião entrando logo para a carruagem, batendo com a portinhola.
Mas D. Felicidade insistia: era uma falta de religião! Ao menos pôr duas velas, mandar chamar um padre!. .
—
Largue, cocheiro! — berrou Julião impaciente.
A carruagem deu a volta. E D. Felicidade à portinhola, apesar de Julião que a puxava pelos vestidos, gritava:
—
É um pecado mortal! É uma irreverência! Ao menos duas velas!
O trem partiu a trote:
Luísa agora tinha escrúpulos: realmente podia-se mandar chamar alguém..
Mas Jorge enfureceu-se. Chamar quem, àquela hora? Que beatice! Estava morta, acabou-se! Enterrava-se. . Velar o estafermo! Fazer-lhe talvez câmara ardente. Queria ela ir velá-la?. .
—
Então, Jorge, então!. . — murmurava Sebastião.
—
Não, é demais! É vontade de criar embaraços, que diabo!
Luísa baixava a cabeça; e, enquanto Jorge, praguejando, ficou atrás a fechar a porta da casa, ela foi descendo a rua pelo braço de Sebastião.
—
Estourou de raiva — disse-lhe ele baixinho.
Toda a rua Jorge resmungou. Que ideia, irem dormir agora fora de casa!
Realmente era levar muito longe as mariquices!. .
Até que Luísa lhe disse, quase chorando:
—
Vê se me queres torturar mais e fazer-me mais doente, Jorge!
Ele calou-se, mordendo furioso o charuto. E Sebastião, para a sossegar, propôs que viesse a tia Vicência, a preta, velar a Juliana.
—
Era talvez melhor — murmurou Luísa.
Chegaram à porta de Sebastião. O frufru do vestido de seda de Luísa, àquela hora, na sua casa, dava uma comoção a Sebastião: a mão tremia-lhe ao acender as velas da sala. Foi acordar a tia Vicência para fazer chá; tirou ele mesmo os lençóis dos baús, apressado, feliz daquela hospitalidade. Quando voltou à sala, Luísa estava só, muito pálida, ao canto do sofá.
—
Jorge? — perguntou ele.
—
Foi ao seu escritório, Sebastião, escrever ao pároco para o enterro.. E
com os olhos brilhantes, numa voz sumida e assustada: — Então?