E logo na rua! — exclamou Jorge. — Faz-lhe as contas e que se vá. Ah!
Estou farto! Nem mais um dia! Se a tomo a ver, desfaço-a! Até que enfim!
Chegou-me a minha vez!
Foi buscar o paletó, muito excitado, e antes de sair, voltando à sala:
—
E que se vá hoje mesmo, ouviste? Nem uma hora a mais! Há quinze dias que a trago aqui atravessada. Para a rua!
Luísa veio para o quarto quase sem se poder suster. Estava perdida! Estava perdida! Uma multidão de ideias, todas extremas e insensatas, redemoinhava no seu cérebro como um montão de folhas secas numa ventania: queria fugir, atirar-se ao rio, de noite; arrependia-se de não ter cedido ao Castro. . De repente imaginou Jorge abrindo as cartas que Juliana lhe entregava, lendo:
"Meu adorado Basílio!" Então uma cobardia imensa, amoleceu-lhe a alma.
Correu ao quarto de Juliana, ia suplicar-lhe que lhe perdoasse, que ficasse, que a martirizasse!. . E depois? Diria que a Juliana chorara, se atirara de joelhos!
Mentiria, cobri-lo-ia de beijos. . Era nova, era bonita, era ardente —
convencê-lo-ia!
Juliana não estava no quarto. Subiu à cozinha; estava lá, sentada, com os olhos chamejantes, os braços nervosamente cruzados, numa raiva muda. Apenas viu Luísa, deu um salto sobre os calhares, e mostrando-lhe o punho, berrou:
—
Olhe que a primeira vez que você me torne a falar como hoje, vai aqui tudo raso nesta casa!
—
Cale-se, sua infame! — gritou Luísa.
—
Você manda-me calar, sua p. .! — E Juliana disse a palavra.
Mas a Joana correu, atirou-lhe pelo queixo uma bofetada que a fez cair, com um gemido, sobre os joelhos.
—
Mulher! — bradou Luísa arremessando-se sobre a Joana, agarrando-a pelos braços.
Juliana, assombrada, fugiu.
—
Ó Joana! Ó mulher! Que desgraça, que escândalo! — exclamava Luísa as mãos apertadas na cabeça.
—
Racho-a! — dizia a rapariga com os dentes cerrados, os olhos como brasas — Racho-a!
Luísa andava em volta da mesa da cozinha, automaticamente, pálida como repetindo, toda a tremer:
—
O que você foi fazer, mulher! O que você foi fazer!
A Joana, ainda toda revolvida da sua cólera, com o rosto manchado de vermelho, remexia furiosamente as panelas.
—
E se ela me diz uma palavra, acabo-a, aquela bêbeda! Acabo-a!
Luísa desceu ao quarto. No corredor saiu-lhe Juliana, com a cuia à banda, as dedadas escarlates na face, medonha.
—
Ou aquela desavergonhada vai já para a rua — gritou ela — ou eu vou-me pôr lá embaixo na escada, e quando o seu homem vier, mostro-lhe tudo!. .
—
Pois mostre, faça o que quiser! — disse Luísa, passando, sem a olhar.
Fora uma desesperação, um ódio que a tinham decidido. Mais valia acabar por uma vez!. .
Sentia então como um alívio doloroso, em ver o fim do seu longo martírio!
Havia meses que ele durava. E pensando em tudo o que tinha feito e que tinha sofrido, as infâmias em que chafurdara e as humilhações a que descera, vinha-lhe um tédio de si mesma, um nojo imenso da vida. Parecia-lhe que a tinham sujado e espezinhado; que nela nem havia orgulho intacto, nem sentimento limpo; que tudo em si, no seu corpo e na sua alma, estava enxovalhado, como um trapo que foi pisado por uma multidão, sobre a lama.