—
Pois se está doente que vá para o hospital!
—
Não, também não tens razão!
Aquela insistência em defender a outra, que se repoltreava embaixo na sua chaise longue, exasperou-o:
—
Diz cá, tu dependes dela? Havia de dizer que tens medo dela!
—
Ah! Se estás com esse génio! — fez Luísa com os beiços trémulos, uma lágrima já nas pálpebras.
Mas Jorge continuava muito zangado:
—
Não, essas condescendências hão de acabar por uma vez! Ver aquele estafermo, com os pés para a cova, a prosperar na minha casa, a deitar-se nas minhas cadeiras, a passear, e tu a defendê-la, a fazer-lhe o serviço, ah! Não! É
necessário acabar com isso. Sempre desculpas! Sempre desculpas! Se não pode que arreie. Que vá para o hospital, que vá para o inferno.
Luísa lavada em lágrimas assoava-se, soluçando.
—
Bem! Agora choras. Que tens tu? porque choras? Ela não respondia, num grande pranto.
—
Por que choras, filha? — perguntou ele com uma impaciência comovida, chegando-se a ela.
—
Para que me falas tu assim? — dizia, toda soluçante, limpando os olhos.
Sabes que estou doente, nervosa, e tens mau génio para mim! O que me sabes dizer são coisas desagradáveis.
—
Coisas desagradáveis! Minha filha, eu disse-te lá nada desagradável! —
E abraçou-a, ternamente.
Mas ela desprendeu-se, e com a voz cortada de soluços:
—
Então é algum crime estar a engomar? Porque trabalho, porque trato das minhas coisas, zangas-te? Querias que eu fosse uma desarranjada? A mulher tem estado doente! Enquanto se não arranja outra é necessário fazer as coisas.. Mas tu falas, falas! Para me afligir!. .
—
Estás a dizer tolices, filha. Não estás em ti. Eu o que não quero é que te canses!
—
Para que dizes então que tenho medo dela? — E as lágrimas recomeçavam. — Medo de quê? porque hei de eu ter medo dela? Que despropósito!
—
Pois bem, não digo. Não se fala mais na criatura. Mas não chores.. Vá, acabou-se — Beijou-a. E tomando-a pela cinta, levando-a docemente: — Vá, o ferro agora. Vem! Que criança que tu és!
Por bondade, por consideração com os nervos de Luísa, Jorge durante alguns dias não falou na criatura. Mas pensava nela; e aquele estafermo, com os pés para a cova, na sua casa, exasperava-o. Depois as madracices que lhe percebera, os confortos do quarto que vira na noite em que ela desmaiara, aquela bondade ridícula de Luísa!. . Achava aquilo estranho, irritante!. . Como estava fora de casa todo o dia, e diante dele Juliana só tinha sorrisos para Luísa, muitas atitudes de afeto, imaginava que ela se soubera insinuar e, pelas pequenas intimidades de ama a criada, se tomara necessária e estimada. Isso aumentava a sua antipatia. E não a disfarçava.
Luísa vendo-o às vezes seguir Juliana com um olhar rancoroso, tremia! Mas o que a torturava era a maneira que Jorge adotara de falar dela com uma veneração irónica; chamava-lhe "a ilustre D. Juliana, a minha ama e senhora!"
Se faltava um guardanapo ou um copo, fingia-se espantado: "Como! a D.
Juliana esqueceu-se! Uma pessoa tão perfeita!" Tinha gracejos que gelavam Luísa.
—
A que sabia o filtro que ela te deu? Era bom?
Luísa agora, diante dele, já nem se atrevia a falar a Juliana com um modo natural; temia os sorrisos malignos, os apartes: "Anda, atira-lhe um beijo, conhece-se na cara que estás com vontade de lho atirar!" E, receando as suspeitas dele, querendo mostrar-se independente, começou na sua presença, a falar a Juliana com uma dureza brusca, muito afetada. A pedir-lhe água, uma faca, dava à voz inflexões de um rancor postiço.