Não valia a pena lutar por uma vida tão vil. O convento seria já uma purificação, a morte uma purificação maior. . — E onde estava ele, o homem que a desgraçara? Em Paris, retorcendo a guia dos bigodes, chalaceando, governando os seus cavalos, dormindo com outras! E ela morreria ali, estupidamente! E quando lhe escrevera a pedir-lhe que a salvasse, nem uma palavra de resposta; nem a julgara digna do meio tostão da estampilha! O que ele lhe dizia pelas terras da Pólvora acima, naquela cupê: — Dar-lhe-ia toda a sua vida, viveria à sombra das suas saias! O infame! Já tinha talvez no bolso o bilhete da passagem! Enquanto ela fora a mulher alegre, que vem, despe o
corpete, mostra um lindo colo — então bem, pronto! Mas teve uma dificuldade, chorou, sofreu — ah! não, isso não! "És um belo animal que me dás um grande prazer — perfeitamente, tudo o que quiseres; mas tornas-te uma criatura dolorida que precisa consolações, talvez uns poucos de centos de mil réis — então boas noites, cá vou ao paquete!" Oh, que estúpida que é a vida! Ainda bem que a deixava!
Foi-se encostar à janela. Estava um dia muito azul, muito doce. O sol punha grandes claridades de um dourado ligeiro sobre as paredes brancas, sobre a calçada. E havia no ar uma suavidade aveludada. O Paula, em chinelas de tapete, aquecia-se à porta do estanque. Então, diante do lindo ar de inverno, enterneceu-se. Todos eram felizes naquela manhã de rosas, só ela sofria, pobre dela! E ficou a olhar, como esquecida numa vaga saudade, com uma lágrima na pálpebra. . De repente viu Juliana atravessar a rua, dobrar a esquina
— e daí a pouco voltar com um galego, velho e pesado, que trazia o seu saco ao ombro.
Ia-se embora! — pensou Luísa. — Mandava por fora os baús! E depois?
Remetia as cartas a Jorge, ou entregava-lhas ela mesma, no portal! Santo Deus!
— E parecia-lhe ver Jorge aparecer no quarto, lívido, com as cartas na mão!. .
Veio-lhe um terror alucinado: não queria perder o seu marido, o seu Jorge, o seu amor, a sua casa, o seu homem! Apossou-se dela a revolta da fêmea contra
a viuvez; aos vinte e cinco anos ir murchar para um convento! Não, com os diabos!
Foi direita ao quarto de Juliana.
—
Vem ver se lhe levo alguma coisa? — gritou logo a outra, furiosa.
Sobre a cama estava roupa branca espalhada, pelo chão botinas embrulhadas em jornais velhos.
—
E ainda cá me ficam quatro camisas, dois pares de calcinhas, três pares de meias, seis punhos na lavadeira. Fica aí o rol. E quero as minhas contas!. .
—
Escute, Juliana, não se vá. — Mas a voz desapareceu-lhe, as lágrimas saltaram-lhe dos olhos.
Juliana pôs-se a olhar para ela do alto, triunfando, com uma botina de duraque em cada mão.
—
É mandar aquela desavergonhada embora, e está tudo acabado! — E
com uma voz aguda, batendo as solas das botinas: — Fica tudo como dantes, na paz do Senhor!
Uma alegria extraordinária acendia-lhe o olhar. Vingava-se!
Fazia-a chorar! Expulsava a outra! E não perdia os seus cómodos!
—
É pôr a bêbeda na rua! É pô-la na rua!
Luísa curvou os ombros, foi à cozinha devagar; os degraus da escada pareciam-lhe imensos, infindáveis. Deixou-se cair num banco, e limpando os olhos:
—
Joana, venha cá, escute, você não pode continuar na casa. .
A rapariga ficou a olhar para ela, espantada.
—
O que a Juliana disse foi num repente. . Tem estado a chorar, a arrepender-se. É a criada mais antiga. O senhor estima-a muito...
—
Então a senhora manda-me embora? Então a senhora manda-me embora?
Luísa insistiu, baixo, envergonhada:
—
Foi um repente, tem estado a pedir perdão...
—
Eu foi para defender a senhora! — exclamou a rapariga abrindo os braços aflita.
Luísa sentiu-se indignada; e impaciente, para acabar:
—