Oh, Sebastião!. . — exclamou num impulso de reconhecimento humilde; e acrescentou: — Acredite, tenho sido bem castigada! O que eu tenho sofrido, Sebastião!
Esteve um momento com os olhos cravados no chão; e agarrando-lhe o braço de repente, com força, as palavras romperam abundantes e precipitadas, como os borbulhões de uma água comprimida que rebenta.
—
Apanhou-me a carta, não sei como, por um descuido meu! Ao princípio pediu-me seiscentos mil réis. Depois começou a martirizar-me. . Tive de lhe
dar vestidos, roupa, tudo! Mudou de quarto, servia-se dos meus lençóis, dos finos. Era a dona da casa. O serviço quem o faz sou eu!. . Ameaça-me todos os dias; é um monstro. Tudo tem sido baldado, boas palavras, bons modos...
E onde tenho eu dinheiro? Pois não é verdade? Ela bem via. . O que eu tenho sofrido! Dizem que estou mais magra, até o Sebastião reparou. A minha vida é um inferno. Se Jorge soubesse!. . Aquela infame queria hoje dizer-lhe tudo!. .
E trabalho como uma negra. Logo pela manhã a limpar e varrer. Às vezes tenho de lavar as xícaras do almoço. Tenha piedade de mim, Sebastião, por quem é, Sebastião! Coitada de mim, não tenho ninguém neste mundo!
E chorava, com as mãos sobre o rosto.
Sebastião, calado, mordia o beiço; duas lágrimas rolavam-lhe também pela face, sobre a barba. E levantando-se, devagar:
—
Mas Santo nome de Deus, minha senhora! porque não me disse há mais tempo?
—
Ó Sebastião, podia lá! Uma vez estive pra lho dizer. . Mas não pude, não pude!
—
Fez mal..
—
Esta manhã o Jorge quis pô-la fora. Embirra com ela, percebe os desmazelos. Mas não desconfia de nada, Sebastião!. . — E desviou os olhos, muito escarlate. — Escarnecia-me às vezes por eu parecer tão apaixonada por
ela. . Mas esta manhã zangou-se, mandou-a embora. Apenas ele saiu, veio como uma fúria, insultou-me. .
—
Santo Deus! — murmurava Sebastião assombrado, com a mão sobre a testa.
—
Talvez não acredite, Sebastião, sou eu que faço os despejos!. .
—
Mas merece a morte, esta infame! — exclamou batendo com o pé no chão.
Deu alguns passos pesados pela sala, devagar, as mãos nos bolsos, os seus largos ombros curvados. Voltou a sentar-se ao pé dela, e tocando-lhe timidamente no braço, muito baixo:
—
É necessário tirar-lhe as cartas...
—
Mas como?
Sebastião coçava a barba, a testa.
—
Há de se arranjar — disse, por fim. Ela agarrou-lhe a mão:
—
Oh, Sebastião, se fizesse isso!
—
Há de se arranjar.
Esteve um momento calculando — e com o seu tom grave:
—
Eu vou-me entender com ela. . É necessário que ela esteja só em casa. .
Podiam ir ao teatro, esta noite.