—
Repararam. Quem seria? Quem não seria? Que vinha; que estava; o diabo! Luísa ergueu-se impetuosamente:
—
Eu bem tenho dito a Jorge! Tantas vezes lho tenho dito! Isto é uma rua impossível! Não se mexe um dedo que não espreitem, que não cochichem!
—
Não têm que fazer..
Houve um silêncio. Luísa passeava pela sala, com a cabeça baixa, a testa franzida; e parando, olhando quase ansiosamente para Sebastião:
—
O Jorge se soubesse é que tinha um desgosto! Santo Deus!
—
Escusa de saber! — exclamou logo Sebastião. — Isto fica entre nós!
—
Para o não afligir, não é verdade? — acudiu ela
—
Está claro! Isto fica entre nós.
E Sebastião estendendo-lhe a mão, quase humildemente.
—
Então não está zangada comigo, hem?
—
Eu, Sebastião! Que tolice!
—
Bem, bem. Acredite! — e espalmou a mão sobre o peito — eu entendi que era o meu dever. Porque enfim, a minha rica amiga não sabia nada. .
—
Estava bem longe!. .
—
Decerto. Bem, adeus. Não a quero maçar mais. — E com uma voz profunda, comovida: — Cá estou às ordens, hem!
—
Adeus, Sebastião. . Mas que gente! Por ver entrar o pobre rapaz três ou quatro vezes!. .
—
Uma canalha, uma canalha! — disse Sebastião, arregalando os olhos. E
saiu.
Apenas ele fechou a porta:
—
Que desaforo! — exclamou Luísa. — Isto só a mim!
Porque a intervenção de Sebastião, no fundo, irritava-a mais que os mexericos da vizinhança! A sua vida, as suas visitas, o interior da sua casa era discutido, resolvido por Sebastião, por Julião, por tutti quanti! Aos vinte e cinco anos tinha mentores! Não estava má! E porquê, Santo Deus? Porque seu primo, o seu único parente vinha vê-la!. .
Mas então, de repente, emudecia interiormente. Lembravam-lhe os olhares de Basílio, as suas palavras exaltadas, aqueles beijos, o passeio ao Lumiar. A sua alma corava baixo, mas o seu despeito seguia declamando alto: — decerto, havia um sentimento, mas era honesto, ideal, todo platónico!... Nunca seria outra coisa! Podia ter lá dentro, no fundo, uma fraqueza. . Mas seria sempre uma mulher de bem, fiel, só de um!. .
E esta certeza irritava-a então contra os palratórios da rua! Que de resto era lá possível, que só por verem entrar Basílio, quatro ou cinco vezes, às duas horas da tarde, começassem logo a murmurar, a cortar na pele?. . Sebastião era um caturra, com terrores de ermitão! E que ideia, ir consultar Julião! Julião! Era ele, decerto, que o instigara a vir pregar, assustá-la, humilhá-la!. . Por quê?
Azedume, inveja! Porque Basílio tinha beleza, toilete, maneiras, dinheiro!. . Se tinha!
As qualidades de Basílio apareciam-lhe então magníficas e abundantes como os atributos de um deus. E estava apaixonado por ela! E queria vir viver junto dela! O amor daquele homem, que tinha esgotado tantas sensações, abandonado decerto tantas mulheres, parecia-lhe como a afirmação gloriosa da sua beleza e a irresistibilidade da sua sedução.
A alegria que lhe dava aquele culto trazia-lhe o receio de o perder. Não o queria ver diminuído; queria-o sempre presente, crescendo, balouçando sem cessar diante dela, o murmúrio lânguido das ternuras humildes! Podia lá separar-se de Basílio! Mas se a vizinhança, as relações começavam a comentar, a cochichar.. Jorge podia saber!. . Aquela suposição o coração arrefecia-lhe. .
— Sebastião tinha razão, no fundo, era evidente!
Numa rua pequena, com doze casas, vir todos os dias, aquele lindo rapaz, e, agora que o seu marido não estava. . Era terrível! — Que havia de fazer, Santo Deus!. .
A campainha retiniu com força; Leopoldina entrou.
Vinha furiosa com o cocheiro; que imaginasse ela, hem! Tinha parado ao Correio e o homem queria duas corridas. Uma canalha assim!..
E que calor, uf! — Atirou a sombrinha, as luvas; agitou as mãos no ar para descer o sangue, dando-lhes palidez; e diante do toucador, compondo ligeiramente os frisados do cabelo, com uma cor na pele, muito espartilhada, admirável corpete couraçado:
—
Que tens tu, filha? Estás toda no ar!
Nada. Tinha-se zangado com as criadas...
—
Ai! Estão insuportáveis! — Contou as exigências da Justina, os seus desmazelos. — E muito agradecida ainda que ela se me não vá! Quando a gente depende delas. . — E pondo pó-de-arroz no rosto, com uma voz lenta: